A destilaria ficava fechada com cadeado durante a noite para evitar que os bêbados da região a tomassem de assalto. O mestre-cachaceiro fora segurança de boate e levava ao coldre uma colt .45 com balas suficientes para escrever seu nome e sobrenome numa parede.
Propositalmente localizada no alto de uma montanha de difícil acesso, a destilaria funcionava a pleno vapor, enquanto brilhasse a luz do sol, compensando, numa produção acelerada, a falta do turno da noite. Como o almirante de um transatlântico, o mestre dava ordens e mexia manivelas controlando os fluxos e afluxos dos líquidos que perambulavam pelos tubos de cobre e vidro por todo o galpão como uma cama-de-gato.
O mestre-cachaceiro era o único que arriscava a pele passando a madrugada dentro da fábrica. Cansado sob o fuzil que levava às costas, fazia tudo com a atenção redobrada, pois àquelas horas podia ouvir ao longe o movimento dos bêbados sob a colina vomitando, maldizendo a vida e declamando poesias. Aqueles barulhos lhe causavam arrepios mesmo depois das dezenas de anos à frente da destilaria.
Na medida em que o sol subia os ajudantes se anunciavam batendo com a pesada aldrava de ferro nas grossas portas de madeira que o mestre abria remotamente com um clique no porteiro-eletrônico. Assim que chegavam, vestiam seus aventais. Só ali tinham coragem suficiente para envergá-los. Se fossem vistos em qualquer outro lugar, despertariam inveja e cobiça. Ali estavam seguros, suas identidades mantidas em segredo e seu trabalho minucioso muito bem recompensado.
Perto do final do expediente a tensão invariavelmente tomava conta do estabelecimento. Desligavam as máquinas e só se ouvia o leve borbulhar do suco nos latões. Lavavam o chão para que o odor não atraísse a praga trôpega e, antes de liberar os ajudantes, o mestre-cachaceiro reunia a todos em sua sala de troféus e dava as instruções da saída: lavar os aventais e os instrumentos de trabalho, jurar confidencialidade sobre o ofício que praticavam e nunca trocarem palavras ou olhares sequer entre si fora da fábrica. Era lei.
A sala era decorada com as carcaças empalhadas dos bêbados que haviam atentado contra a integridade da destilaria e do próprio mestre-cachaceiro. Sua colt e seu fuzil haviam abatido mais de duzentos bêbados e, naquela sala, alguns davam um silencioso testemunho dessa bravura.
Quando o sol se punha a um palmo do horizonte, os ajudantes eram liberados um a um. Cada qual tomava seu rumo de volta para casa e para suas mentiras: um era padeiro, o outro marceneiro. Evitavam colocar suas famílias em risco poupando seus queridos da preocupação e a si próprios da possibilidade de darem com a língua nos dentes. O destino de um ajudante descoberto poderia ser fatal.
Ao deixar o último ajudante sair, o mestre-cachaceiro fazia a ronda pela planta baixa verificando cada válvula e conta-gotas. Depois ia com seu armamento para a gávea no alto da torre de onde monitorava os bêbados que subiam a colina.
Mesmo parecendo inofensivos, os bêbados babavam por todo o pátio da destilaria e urravam cada vez mais forte ao verem o velho mestre longe do alcance. Juntando-se em grupos de cinco ou seis, os bêbados cheiravam o vão por baixo da porta e lambiam o tapete onde se via escrito “Bem-vindo”, obviamente não para eles. Não raro tentavam remover o pesado cadeado usando força bruta, seus dentes ou suas roupas. Batiam-se contra as paredes de pedra e amaldiçoavam o velho que permanecia inabalável por trás de seu pequeno arsenal.
Aos poucos, os bêbados que não ficavam por ali mesmo em coma alcoólico, desciam pela estrada íngreme de volta ao pé da colina e à difícil ressaca e amnésia do dia seguinte. O mestre, do alto da gávea e de sua sabedoria, não fazia juízos das pobres almas possuídas que se dispersavam. Apenas aguardava o movimento cessar para poder descansar. Um cochilo breve o bastava.
Ao primeiro canto de galo, o mestre despertava e recomeçava, com uma longa talagada do manjar não obsequiado aos bêbados na noite anterior, o dia ainda escuro.