12 de abril de 2018

Truman Capote, o escritor horizontal

Abril chegou e com ele nos aventuramos a falar sobre mais uma grande estrela da constelação literária. Dessa vez seguiremos a trilha de Truman Streckfus Persons ou, como ficou mundialmente conhecido por suas matérias jornalisticas, roteiros, ensaios, pecas de teatro, contos e romances, Truman Capote.

Americano New Orleans, começou a escrever aos onze anos em 1944. Com dezenove anos, ganhou o Prêmio O. Henry com o conto "Miriam", posteriormente editado na coletânea 20 Contos, da Cia das Letras (tambem disponível no blog Quinta do Conto) e voltou a ganhar o mesmo prêmio em 1949, dessa vez com "Fechar a Ultima Porta". Mas em 1948 ele já chamava atenção após o lançamento de seu primeiro romance "Other Voices, Other Rooms". Talvez seu romance mais célebre seja "Bonequinha de Luxo", que, em 1961, virou filme estrelado pela namoradinha dos Estados Unidos, Audrey Hapburn, mas a obra que alçou-o ao estrelato literário foi "A Sangue Frio", um livro que reconstitui de forma documental o assassinato de uma família em Kansas. Este livro foi revolucionário pois inaugurou uma nova categoria: o jornalismo literário.

Antes mesmo de se dar conta de que seria um escritor, Capote escrevia para participar nos concursos do jornal Mobile Press Register que aconteciam aos sábados num clube próximo ao seu dentista, sempre regados a muito refrigerante grátis. Se inscreveu pela primeira vez com o conto, "Old Mr. Busybody", um roman a clef baseado em um escândalo local. Logicamente, após terem lido e ficarem cientes do que se tratava, não foi premiado. Porém não desistiu e, com apoio e incentivo de sua professora de inglês do ginásio, seguiu escrevendo.

Somente aos quinze anos percebeu que queria ser escritor e começou a enviar contos para revistas e publicações trimestrais. Aos dezessete, seus primeiros três trabalhos foram aceitos, o que o deixou "tonto de excitação". Iniciou,  portanto, escrevendo contos e, sobre eles, sua opinião era semelhante a Faulkner e outros.

O conto parece ser a mais difícil e disciplinadora forma de prosa que existe.

Sua apurada técnica deveu-se muito `a pratica desse formato e concluiu que, para se chegar `a forma natural de uma história, o autor deve se perguntar se há outras formas de imagina-la, se aquela é realmente a sua forma absoluta e final. Para melhorar a técnica, Capote não tem dúvidas.

O trabalho é o único expediente que conheço.

E acrescenta, comparando a escrita com a pintura e a música.

A arte de escrever possui leis de perspectiva, luz e sombra. Se a gente nasce conhecendo-as, ótimo. Se não, devemos aprende-las.

Mais tarde outras figuras seguiram a estimulá-lo, como foi o caso da editora de ficção da revista Mademoiselle, a editora da Random House e da Harper`s Bazaar, todas publicações para as quais Capote contribuiu. Escrevia e era pago por seus textos. Por isso, escrevia com extrema diligência.

A minha mente zumbia todas as noites, a noite toda, e não creio que eu haja realmente dormido durante vários dias.

E, para manter o ritmo, recorria a doses de bourbon e uísque, cujas garrafas mantinha escondidas numa maleta enfiada no armário. Quando dava a hora do jantar, mastigava algumas pastilhas para disfarçar o hálito e se juntava aos parentes `a mesa. Porém, seus silêncios e olhos embaciados acabaram por acusar-lhe e, apos um pequeno desastre, terminou por suspender este subterfúgio ou, ao menos, diminuir a frequência com que dele se valia.

Mas todo esse esforço era recompensado pelos pagamentos que recebia.

Sou, com efeito, incapaz de escrever coisa alguma que eu não ache que me sera paga.

E não negava gostar da pressão do prazo de entrega de seus originais, o que lhe fazia bem.

Capote, como dito, criou a Jornalismo Literário, seu estilo característico. Mas bebeu de fontes comuns a outros escritores. Entre suas influencias estão Flaubert, Maupassant, Mansfield, Proust, Chekhov, Wolfe e Dickens. Porem, creditava sua construção `a sua própria imaginação, um estado em que chegava depois de colocar para fora tudo o que tinha.

Meu método de ficção é igualmente imparcial: emocionalmente, faz-me perder o controle de escrever; tenho que exaurir a emoção antes de de sentir-me em estado clinico que me permita analisar bastante o estilo e planeja-lo e, quanto ao que me diz respeito, essa constitui uma das normas para se conseguir uma técnica verdadeira. Se minha técnica parece mais pessoal é porque depende da area mais pessoal e reveladora do artista: a alma."

Para Capote, o estilo é o espelho da sensibilidade do artista muito mais do que o conteúdo de sua obra. No entanto, a posse ou a construção desse estilo, não raro, é um desafio, podendo se tornar um estorvo, uma forca mais negativa do que positiva a restringir a forma ou adaptar o conteúdo `a forma. No fundo, apenas o estilo não faz de alguém um grande escritor.

Seu processo criativo, no entanto, era bem peculiar. Sua primeira missão era escrever um rascunho em papel `a lápis. Depois, revia o rascunho e, a partir dele, rascunhava uma segunda versão também `a lápis, mas em papel amarelo, dessa vez. Com o segundo rascunho em mãos, costumava deitar-se na cama e, equilibrando sua maquina de escrever sobre os joelhos, datilografava um terceiro rascunho, dessa vez em um outro tipo mais especial de papel, também amarelo. Afirmava datilografar 100 palavras por minuto.

Sou um autor completamente horizontal. Não consigo pensar a menos que esteja deitado, na cama ou num sofa, com cigarros e cafe ao alcance da mão. Na medida em que a tarde avança, passo do cafe para chá de hortelã, de xerez para martinis. Não, não uso maquina de escrever. Pelo menos no começo. 

Com o terceiro rascunho datilografado e pronto, deixava-o de lado por alguns dias e retomava-lo em uma leitura a mais fria possível, de preferencia em voz alta. Testava o rascunho compartilhando com amigos próximos para colher algumas opiniões de pessoas confiáveis. Por fim, feitas as ultimas alterações, este último rascunho vira o texto definitivo novamente na maquina de escrever, dessa vez sobre papel branco.

Segundo o autor, a historia nunca estava completamente pronta na cabeça ao início da escrita, ao contrário, via tudo de relance. Para ele, o desenrolar de uma historia, seu principio, meio e fim ocorria simultaneamente em sua cabeça e gostava das surpresas e reviravoltas com as quais se deparava ao escrever.

Graças a Deus, devido `as surpresas, aos volteios, a frase que surge, do nada, no momento exato, constitui os dividendos inesperados, aquele pequeno e deleitoso empurrão que faz com que o escritor prossiga.

Sobre criticas, Capote aceitava as de pessoas próximas cuja opinião prezava. Se mantinha alheio `a critica literária, porem acompanhava as que eram positivas. Nunca se rebaixar respondendo a um critico era uma das muitas coisas que não se permitia fazer, talvez uma das mais sensatas entre tantas outras um tanto quanto curiosas.

Jamais telefono porque o numero de seus telefones multiplicados, formam algarismos que não dão sorte. Ou então não aceitarei um quarto de hotel por essa mesma razão. Não suporto a presença de rosas amarelas - o que é  triste pois são as minhas favoritas. Não permito três guimbas de cigarro no mesmo cinzeiro. Não viajarei num avião em que haja duas freiras. Não começo nem termino nada numa sexta-feira. É  infindável o numero de coisas que não posso fazer e que não faço. 

Capote faleceu em 1984 nos deixando dois romances inacabados. O primeiro, Answered Prayers - an unfinished story, fez parte de um contrato com a editora Random House, em 1966, no qual Capote comprometeu-se em escrever em dois anos, mas ate a sua morte ainda não havia sido finalizado. O livro foi finalmente publicado em 1986. O segundo, um romance sobre uma garota rica de Nova Iorque que se apaixona por um manobrista de estacionamento, foi descartado pelo autor em 1940. Um dos empregados da casa onde morava ficou com os papeis que, depois de sua morte, foram descobertos e publicados sob o titulo de Travessia de Verão, em 2005.

Para os que não conhecem a bibliografia de Capote, recomendo os livro abaixo e que também assistam o filme lançado em 2005, estrado pelo excelente Philip Seymour Hoffman.

20 Contos de Truman Capote - coletania do estilo que mais o desafiava, incluindo o conto Miriam, seu primeiro texto premiado - https://amzn.to/2EFuQGH

A Sangue Frio - sua obra de referência cuja estrutura e estilo o catapultaram ao estrelato literário - https://amzn.to/2IPf9Pw

Bonequinha de Luxo - a vida da magnata ingênua Holly Golightly, interpretada no cinema por Audrey Hepburn - https://amzn.to/2qspYiQ

Travessia de Verão -  último livro publicado do autor, porem um dos primeiros romances por ele escritos - https://amzn.to/2GXimjm