27 de março de 2012

Regras Básicas

Quando eu te beijar
deixa teu corpo mole
para que eu console
toda sua dor

Quando eu te beijar
deixa a alma leve
e assim se escreve
uma história de amor

Quando eu te beijar
esquece teu passado
e me abrace apertado
sentindo meu calor

Quando eu te beijar
me esquenta teu corpo macio
como na noite de frio
debaixo do cobertor

Quando eu te beijar
abre a porta do coração
tudo o mais é ilusão
não importa o que for
e quando durante o beijo
sentir finalmente o lampejo
de que é para toda vida
não sinta medo e me aperta forte
porque amor desse tamanho
resiste até à morte

Quando eu te beijar
não paremos no meio
quero todo o devaneio
que desprende desse amor

Quando eu te beijar
não pense no futuro
só inspire esse ar puro
que só agora tem valor

Quando eu te beijar
deixa que o peito afrouxe
deixa que desabroche
lento como uma flor

Quando eu te beijar
deixa teu corpo mole
deixe que decole
alto a ver o sol se pôr

Quando eu te beijar
me dá uma abraço brando
deixa seu preto e branco
e venha para minha cor
te quero aos meus braço, lânguida
de olhos fechados, cândida
a sentir a ternura
de nossa música a se compor

E deixe que tudo se exploda
pois ao comemorar a boda
terá valido o nosso amor

20 de março de 2012

O Sábio Esquecido

Há milênios as mentes mais privilegiadas da humanidade se debruçam sobre a vida a tentar tirar-lhe um sentido, alguma lógica concatenação de idéias que nos faça entender o porque acordamos, fazemos coisas e dormimos, não necessariamente nesta ordem, todos os dias. Algo que  nos motive a fazer  coisas e nos alente nos momentos em que não há nada mais em que acreditar.

De Aristóteles a Michel Teló, cavuquei inúmeros pergaminhos e manuscritos de todas as épocas também nesta cruzada por um motivo de existirmos sem perceber que a busca por si só já bastava como resposta. Ainda assim, no porão de uma carvoaria em Smyrna, encontrei um pedação de mogno carbonizado que trazia em seu comprimento sábias palavras iluminantes as quais compartilharei a seguir.

Para o bom entendimento desta descoberta que poderá mudar o curso do pensamento humano antes do final dos tempos anunciado pelos Maias, vale-nos o esforço de conhecer melhor seu autor. Comeceços, então, sem demora, a história merecida.

Muito antes de Confúncio lambrecar-se de nanquim ou Ramsés engasgar-se com areia do Nilo. Antes de Xerxes sonhar em mergulhar das ravinas das Termópilas ou antes de a paloma sobrevoar a Mesopotâmia levando seu ramo de oliveira, viveu um homem sem poderes senão o de bom observador e poeta. Não se tem notícia de mãe ou pai, o que nos leva a crer em seu surgimento espontâneo, criação direta do Criador, um novo Adão enviado dos séculos com o único propósito de esclarecimento e elevação humana. Seu nome era Moab Rivenif.

Suas palavras ecoaram pouco ao longo dos tempos mas seu nome permanece indelével na memória daqueles que já se foram, a quem não podemos mais nada perguntar, nem confirmando nem refutando sua passagem entre nós. Rivenif dedicou sua vida à reflexão profunda sobre a vida, o universo e tudo o mais e, em seus escritos perdidos na história, discorre de maneira a popularizar sua filosofia e aproximar-se do artesão e do campesino, construindo uma retórica de forma a fazer-se entender a um afegão médio.

Basicamente, a filosofia rivenifiana suporta-se sobre a pedra angular da luta contra o Dia do Trabalho. Estabelecia-se assim contra o gameta fundamental da exasperação humana e sua característica propensão à indolência. Pregava o velho Moab a sacralização do Dia do Trabalho trabalhando-se. Deveria ser este o dia em que as jornadas se multiplicariam e os soldos reduziriam-se à metade, motivo pelo qual não era muito querido das populações mais desvalidas, apesar de ter grande entrada nos palácios dos reis e governadores. Mas tudo isso seria em honra da característica que nos diferencia de todos os animais da Terra e nos faz sermos o que somos: o polegar opositor.

Moab defendia o dado dedo com unhas e dentes, acusando irreverentes aqueles que o utilizavam sem pudor esticando-o pelas estradas a pedir carona, caroneiros heréticos. Sua observação era tão clara que em meados do século XVCIII a.c. o termo "caroneiro" em aramaico significava também "aquele cuja alma viaja suja de esterco e merece o açoite fumegante dos deuses mais cruéis". Chamar alguém de caroneiro era intimá-lo à fogueira eterna das expiações datilosas, mas o termo foi perdendo esta conotação ao longo do uso reduzindo-se apenas ao sentido do viajar.

Pouco sabemos da infância de Moab Rivenif dado a sua longínqua e improfícua passagem por este mundo. No entanto, há poucos anos, no leito do hoje quase extinto Mar de Aral, encontrou-se o que seria um brinquedo infantil feito de ossos de porco e pelos de doninha em cujo cabo lias-se a seguinte mensagem: "Asèt nau mond lan se", o que significa "o mundo é dos ascetas" em crioulo haitiano arcaico e constitui-se prova de que o perfil ermitão e reservado de Rivenif já se manifestava desde a mais tenra infância. Acredita-se que Moab deixara sua terra natal bem cedo quando deu-se a grande Praga dos Cabritos, efermidade que causou a morte de oitenta por cento da população de arminhos na Ásia Menor. Foi por conta da grande depressão econômica que se sucedeu devido à escassez da pele do arminho, que forrava indumentárias reais e adornava brasões, mostrando o poder e a riqueza de quem a ostentasse.

Mas isso foi muito depois de Rivenif deixar seu lar e espalhar sua palavra iluminada pelo mundo. Foi na província de Amoz que um dia foi chamada Antióquia, que o filósofo estabeleceu as bases do tratado pelo qual alçou-se à condição de Grande Pensador. Segundo uma antiga lenda que tornou-se um conto de ninar entre as tribos nômades da Mongólia, estava Moab sentado a mendigar na grande praça do mercado de Amoz quando observou um grupo de pescadores entrar pela porta oeste. A princípio estranhou aquela presença inusitada uma vez que o rio mais próximo estava a mil léguas de distância do lago mais próximo e, este, se localizava a quinhentos estádios da praia mais próxima e os estádios só seriam usados como métrica de distância quase dois mil anos depois do tempo em que aconteceu o ocorrido neste relato.

Os pescadores não traziam redes ou cestas com o devido peixe, mas fediam como se com eles embaixo dos sovacos tivessem atravessado o escaldante deserto. Observador que era das almas dos homens, Moab acompanhou o grupo com os olhos até um beco escuro. Lá, viu-os despirem-se e banharem-se com a água que sabe-se lá de onde vinha. Após o asseio, um deles escondeu-se no ponto mais obscuro do beco sumindo na escuridão. Ainda nu, agachou-se a eliminar de si a impureza sólida da qual todos os corpos viventes são fábrica e nos iguala aos mais impudico dos animais, o avestruz. Mas isso explica-se em outra oportunidade. Ao terminar, o pescador então levantou-se e, enquanto vestia-se novamente, deixou cair uma moeda de prata bem no centro do monte de excrementos que produzira. A moeda afundou vagarosamente até sumir das vistas estupefatas dos pescadores que, agora limpos, titubeavam e meter os dedos naquela imundície, contentando-se a esbravejarem impropérios uns aos outros e aos deuses que à época vigiam.

Adivinhando a celeuma, Rivenif aproximou-se e perguntou aos viajantes o que lhes afligia. Diante do que lhe foi exposto, Moab então interpelou-os para que calma tivessem pois a humanidade lhes proibia de gabarem-se por estar diante de tão pura prova da verdade eterna. Os pescadores entenderam pouco da linguagem usada e acreditaram que ele se referia ao monte de estrume humano que ali se encontrava mas convenceram-se de que algo mais importante estava para acontecer pelo tanto que o sábio agora gesticulava e forçava o falsete.

Rivenif esclareceu o porque de o homens serem tão ignóbeis e deu os próprios pescadores como exemplo. Repudiou a atitude vaidosa de evitar exporem-se ao negrume fecal em detrimento de uma situação melhor para a coletividade a qual faziam parte aqueles indivíduos. Criticou o ancião que acompanhava o grupo de cima de uma maca, imóvel das pernas, e quase tirou-o se seu estado vegetativo de coma tão alto gritava seus ensinamentos naqueles moucos ouvidos.

Os pescadores, então, pouco entendendo dessas coisas filosóficas e políticas, começaram a se sentir ultrajados em suas honras e interpelaram Moab para que demonstrasse logo seu ponto sob ameaça de uma sonora surra. O sábio, então, tomou seu alforge e de lá retirou um punhado de moedas de ouro e lançou-as imediatamente sobre o monte de bosta onde deslizaram preguiçosas até sumirem junto com a moeda de prata que lá já estava. Acotovelando-se, os pescadores zuniram em direção a poça de lodo humano no intuito de resgatar aquela pequena fortuna agora curados do pecado da vaidade e lambuzados do pecado da usura. Moab então retirou-se com a sensação de dever cumprido, certo de que seu modelo de sapiência e desapego seria reverberado entre as gerações vindouras. O que não aconteceu.

Assim foi, então, que Moab Rivenif convenceu-se de que seria inútil qualquer tentativa de elevação moral da humanidade e retirou-se em auto-exílio nas montanhas do Sudão onde permaneceria até fenecer de frio, fome e febre aftosa. Mas, a esta altura, seu nome já se avantajava entre os povos e, na primeira oportunidade, os mais fervorosos lhes descobriram o paradeiro e até o Sudão o foram buscar em sacra peregrinação não encontrando nada exceto os despojos de seu corpo esquálido, sem vida, muito além da figura austral que um dia fora.

Seus devotos levaram consigo o corpo e lhes fizeram a inumação honrosa que merecia descansando-o sobre uma pedra num riacho para que sua sabedoria pudesse frutificar os campos e, enfim, desembocar no mar sem fim, de onde seria levada aos confins do planeta em glória à elevação dos tempos. E enquanto seu corpo apodrecia, ou melhor, era devolvido à poeira original, a temperatura diminuiu bruscamente congelando todo o riacho apenas para descongelar novamente e, numa grande enchente, esconder o corpo por milênios, o que foi considerado um milagre póstumo de assombrosas consequências.

Hoje, com nossa tecnologia avançadíssima e tendo acesso a uma quantidade de informações que, naquela época, um espião levaria toda a vida para acumular, pudemos resgatar do esquecimento este formidável e olvidável iniciado. Que tornemos, então, pública a figura deste mestre, que o mundo saiba quem foi Moab Rivenif e se enrusbesça com seu legado. E contribua com apenas noventa e nove centavos em homenagem à memória dos pescadores convertidos.

E para provar que todas as doações que recebemos dos quatro cantos do mundo, pois convencíveis estão por toda a parte, basta que tenhamos os argumentos certos, para provar que tiveram aplicação prática e relevante é que apresentamos neste trabalho nossa mais recente descoberta. Se não fosse o caráter lógico e humanista de toda obra revenifanista, poderíamos considerar esta uma relíquia, digna de fazer o mais sedentário acólito sair de sua cadeira e encarar a pé qualquer distância para contemplá-la pessoalmente, onde quer que estivesse.

Então, como prometido, apresentamos neste trabalho um breve relato dos acontecimentos importantes que baseara, até agora, a noção que temos dos divinos ensinamentos de Moab Rivenif. Digo até agora pois o teor iniciático do achado é tão denso que poderá abalar as crenças que tínhamos e fazer cumprirem-se algumas leis há muito esquecidas que só existem hoje sobre os papéis timbrados e nas rachas das línguas maledicentes.

Sem mais delongas, eis ipis litteris o que nos foi revelado no Mogno de Smyrna.

Sob a máscara macambúzia
Desses homens que me rodeiam
Há os que me idolatram
Há os que me odeiam
E há ainda os que me ignoram
E o mesmo fazem com a Verdade
Então ouçam-me, pastores
Envoltos em mantos de Vaidade
A obra do Homem ainda está por vir
E à grandeza do Homem abjeto
falta-lhe muito e não encontrarás
Salvação em amuleto ou objeto
Glorifica teus Polegares se os tem
Se teve-Os decepados, dignifica-Os em altar
Mesmo que fiquem pretos e apodrecidos
São Eles que nos fazem criaturas sem par
Nessa Natureza que tanto criou e fez
Nada chega aos pés do que o Polegar fará
Ouçam-me, pobres pastores
E preservem seus Polegares pois o dia chegará
Despoja-te de tudo, até tuas roupas
Mas põe tuas mãos a trabalhar
Pois produto comum entre Homens e moscas
Só as fezes de ambos a defecar
Mete tua cabeça sobre os ombros
E não mais contempla o chão
O horizonte se abre e tudo pode
Para o Polegar que está grudado numa mão
Imaginem segurar mulher ou copo
Com a delicadeza que requer cada ação
Imaginem César poupar Gladiador
Sem um Polegar em cada mão
Vos digo, em verdade, que vosso único apego
Deve ser a este soldado desconhecido
Que nos ajuda, alimenta e coça
Quando dele assim é requerido
Enfim um viva ao nosso protetor
Glorifiquemos o seu poder que abona
Recomendemo-Lo aos nossos mais queridos
E nunca, nunca mesmo, peçam carona.

A.

13 de março de 2012

Transformação

Eu não sei se é lua cheia
ou terremoto no Japão
cometa que se aproxima
ou atividade de vulcão

só tenho essa certeza
que há algo na natureza
em plena transformação

vejo nos transeuntes
em meus sonhos conscientes
como o cheiro de terra molhada
antes da tempestade iminente
dói o calo no pé
e estalo os dedos de ansiedade
coça a cicatriz antiga
avisando o fim de alguma validade

não li no sol
ou nas estrelas que formam desenhos
nem nas mãos dos pedestres
nem nas sementes de jalapeño
não precisei abrir camundongos
nem encarcerei macacos
para ver as partes desse todo
ajuntando seus pedaços
sinto um cheiro estranho
e movimentos no soslaio
como o gato pressente o trovão
antes de cair o raio
não sei se são borbulhas
da minha imaginação
ou um gêiser febril
aguardando a explosão

só tenho essa certeza
que há algo na natureza
em plena transformação

não sei se será dilúvio
ou chuva de verão
uma brisa refrescante
ou violento furacão
não sei se será passeata
ou sanguinária revolução
execuções em praça pública
ou organizada eleição

só tenho essa certeza
que há algo na natureza
em plena transformação

não sei se é em mim ou no mundo
nas cabeças dos homens
ou no meu coração
por isso procuro tua mão atento
pois ninguém daqui será isento
dessa transformação