21 de março de 2013

Da Natureza das Coisas


o sol queima doloroso
como um tição a marcar o dorso
da rés que rumina o verde pasto
e não somos todos reses
nesse mundo vil e vasto?

a noite traz com a lua fria
a palavra de uma promessa vazia
cravando no peito a verdade absoluta
é da natureza das coisas 
que o vinho se transforme em cicuta?

essa marcha incessante
a passos firmes para um horizonte
que nos conclama à felicidade
sob uma chuva de insatisfações
será ilusão essa nossa verdade?

paro, fecho o guarda-chuva
e me molho e sob a visão turva
me vejo fundido à pastosa vida
entrelaçado por rancores, 
buscando amores sob o pus das feridas

no chão, água e sangue são um só
enquanto me desfaço no pó
das cinzas de alguém que um dia fui
é da natureza das coisas
que seja o pó o mal do mundo, se conclui

e é dessa mistura louca
de sangue, pó e outra coisa pouca
que um dia fomos nós moldados
mas é da natureza das coisas
que todos os erros sejam reparados

o tanto mal que ainda nos resta
e que escorre de nós por cada fresta
levará séculos a ser redimido
pois é da natureza do tempo
fazer com que os desvios sejam corrigidos

o sol imortal então nos dará a certeza
pois é da sua natureza: o fogo tudo renova
queima até que diminua
o mal que se esconde, sorrateiro, no lado escuro de nós
no lado escuro da lua

12 de março de 2013

Essa Raça

Todo escritor é solitário
não por opção mas por hábito
uma fome de palavras e significado
é por isso que faz tudo com zelo
superando cada doce apelo
que vem lhe distrair enquanto concentrado

Todo escritor é meio louco
e berra com a caneta para não ficar rouco
o que prova também não ser burro
é por isso que escuta conselhos
e mesmo se esquivando de espelhos
rima seus reflexos espatifados a murro

Todo escritor é meio santo
procurando abraços e acalanto
enquanto fritam seus neurônios
é por isso que em vez de crescer
deixam  a barba por fazer
e se disfarçam de demônios

Todo escritor fala mesmo ao vento
sem se importar se há ouvido atento
sua experiência não é tátil
é metafísica, extemporânea
e por isso ao organizar sua coletânea
o que procura mesmo é uma alma fértil

Todo escritor é uma bagunça
uma pia a suportar um mês de louça
imagine quanto fedor
é por isso que quando faz sua faxina
se organiza em prosa e rima
depois convida o mundo a ser leitor