A vida que ensina é a mesma que cobra
Fatura esquecida, de juros se dobra
E se na bolsa sem soldo, vive a mosca a zumbir
Senão escorpião com ferrão a brandir
Pagamos o preço a peso de lágrima
Com a vida que sobra depois de cair
Foi assim com o mágico, há muito aplaudido
Visitando as cidades de segredos munido
Arranca risada, bochecha rosada
Um susto e mil gargalhadas
Ficou famosa a carreira e muito espantou
Que belo espetáculo, que grande alarido
Montava palco e tenda na praça
Cartola crivada, cheio de graça
Bigodes em cera, fraque imponente
Alçado mais alto do que toda a gente
Vinham-se todos assistir à grandeza
Vendia-se refresco e muita aguardente
Coelhos surgiam e pombas voavam
Cartas sumiam e lenços dançavam
Não se queimava em vela ou em pira
E boquiaberta a audiência assistira
O brotar do buquê entre dedos trementes
Que olhos notavam a linda mentira?
Que povo iludido, querendo mais
Pensava o mágico, artista em cartaz
Se com engodo sou-lhes deidade
Imagine se lhes trouxer a verdade
E antes do gran finale
Revelou o truque sagaz
para espanto de todos naquela cidade
Pateta, sorriu do palco esperando
A chuva de palmas, o riso ou o pranto
Mas o que se ouviu foi puro silêncio
A platéia abalada em grave consenso
De que o mágico prestara mau serviço
Era melhor velando, diria o bom senso
Cigarras cantaram, mugiu uma vaca
Numa obra bem longe batiam estaca
Enquanto a platéia em silêncio indagava
Então era isso, só mais um embuste
Charlatão, gritou um, cafajeste
Então era isso, só mais um embuste
Charlatão, gritou um, cafajeste
Perdemos tempo com essa bobagem
E uma faca voou girando na haste
E era afiada, a maldita lâmina
Pregou-se à barriga, sangue a verter
Morreu o pobre mágico, estripado
Por ter simplesmente revelado
O que ninguém queria saber
Por trás da pantomima do defunto estatelado
E como deixei lá em cima uma pista
Poderia ter feito uma lista
Das coisas que a vida me fez entender
E outras que à morte irei esquecer
Que se morre o artista por mostrar a verdade
Desviam a vista despreparados para ver
E as vacas seguem mugindo
E as estacas seguem batendo
Enquanto morrem lindos mentirosos
E outros novos vão nascendo
Até que os peguem na verdade
Porque deles só mentira se espera
A platéia feroz, aturdida
A platéia feliz iludida
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