Vi há pouco tempo a mini-série Os Pilares da Terra, baseada na obra homônima de Ken Follett. São apenas oito episódios que, como o livro, contam a história da sucessão do Rei William da Inglaterra, usurpador do trono, pela Rainha Matilde, legítima herdeira, nos idos do Séc.XII através da estória da família de um pedreiro contratado para a construção da catedral de Kingsbridge.
O livro, desnecessário dizer, é muito melhor que a série, mesmo produzida por ninguém menos que Ridley Scott e recheada de grandes nomes no elenco como Donald Sutherland (o pai real do protagonista da série 24 Horas) e Michael MacFadyen (o Mr. Darcy de Orgulho e Preconceito). A série não chega a empolgar apesar da grandiosidade da produção sem dúvida monumental desde os cenários (principalmente nos primeiros episódios) ao figurino.
Independente disso tudo, o personagem principal da trama, Jack Jackson, filho adotado pelo mestre de obras da catedral, impressiona. É um rapaz de uma sensibilidade tamanha que beira a loucura dos gênios. Numa passagem ele diz ouvir os sussurros da pedra dizendo para ele onde bater seu formão para fazer as lindas gárgulas das quais é responsável. E é essa sensibilidade que o diferencia dos outros personagens no que diz respeito às suas motivações.
Jack vive num mundo só dele, conversando com os sussurros que ouve. Como um cão, ama e odeia intensamente e chega a (cuidado, spoiler!) pôr fogo numa igreja para que seu pai adotivo seja contratado para os reparos. Gosto dessa intensidade desmedida, dessa paixão distorcida. Não que me identifique nelas (tudo bem, um pouco) mas é um traço que gosto de ver nas pessoas, um brilho nos olhos de fazer o que gosta, mesmo que o gosto seja duvidoso. A persistência em algo que se acredita é gratificante.
E não precisamos ser necessariamente artistas para chegar nessa sensibilidade. Paixão se esconde nos mais estranhos lugares. Há quem se perca descrevendo suas sensações enquanto pesca ou dirige em alta velocidade. Dá pra notar num sorriso, num olhar quando alguém está satisfeito com o que faz e isso faz toda a diferença na qualidade do que se quer ver realizado. Gosto de me cercar de pessoas assim, pois também sou um pouco assim. Gosto do mergulho, do aprendizado e da entrega que se faz às paixões. Não raro busco apaixonar-me por alguma coisa, como um livro ou um tema que preciso me aprofundar mais para algum trabalho qualquer ou uma idéia que precise ser melhor desenvolvida.
O problema das paixões é que elas tendem a morrer uma vez que o objetivo é atingido. Há um momento do seriado em que uma suposta bruxa amaldiçoa um líder religioso usando a seguinte frase: “tu vais subir bem alto em suas ambições tão somente para cair”. De tanto lutarmos sufocados por nossos ideais, obnubilamos o fato de que, uma vez conquistados, esses ideais servirão apenas como enfeites na nossa memória. Fotografias encardidas e poeirentas de uma apoteose que já não nos tira o traseiro da poltrona. O melhor a fazer, então, é viver a antítese: desejar sempre e nunca alcançar. Conscientemente. Sem o sofrimento que o inalcançável (com o próprio agravante de ser paixão) pode causar, mas com esforço. Uma vez ouvi a expressão pleasure delayer no filme Vanilla Sky. Não acho que essa seja a solução, uma vez que o caminho é o prazer e não o destino em si. Talvez devêssemos abrir os olhos para o valor dessa busca, baixando um pouco a bola do seu encontro. É preciso sensibilidade para isso. Não essa louca como a de Jack Jackson, mas uma lúcida, que enxerga no gerúndio do processo a afirmativa de sua conclusão.
Por isso assisti Os Pilares da Terra. Com a intenção de percorrer um caminho prazeroso que me fizesse apaixonar novamente pela obra de Ken Follett. Não consegui, mas certamente alguns momentos entre os oito episódios fizeram alguns pêlos eriçarem-se.
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