Dois carros, contra-mão
Nenhum guarda na esquina
Farol alto, solidão
Cegos de nossa própria sina
Até que veio a colisão
O vidro todo espatifado
Sangue para todo lado
E curiosos de plantão
Condenado à eternidade
À morrer só de saudade
Sufocando o coração
Deixando a rua engarrafada
Não podemos fazer nada
Contra essa confusão
Seguindo nos atropelando
Odiando e nos amando
Até o próximo esbarrão
Mas alguém tem que dar um jeito
Sei que não vai ser perfeito
Puxo o freio de mão
Te deixo ir com nosso amor
E vejo no retrovisor
Você sumir na contra-mão
O que lês quando não és forçado determina o que serás quando não tiveres escolha. - Oscar Wilde.
25 de abril de 2012
19 de abril de 2012
O Mágico
A vida que ensina é a mesma que cobra
Fatura esquecida, de juros se dobra
E se na bolsa sem soldo, vive a mosca a zumbir
Senão escorpião com ferrão a brandir
Pagamos o preço a peso de lágrima
Com a vida que sobra depois de cair
Foi assim com o mágico, há muito aplaudido
Visitando as cidades de segredos munido
Arranca risada, bochecha rosada
Um susto e mil gargalhadas
Ficou famosa a carreira e muito espantou
Que belo espetáculo, que grande alarido
Montava palco e tenda na praça
Cartola crivada, cheio de graça
Bigodes em cera, fraque imponente
Alçado mais alto do que toda a gente
Vinham-se todos assistir à grandeza
Vendia-se refresco e muita aguardente
Coelhos surgiam e pombas voavam
Cartas sumiam e lenços dançavam
Não se queimava em vela ou em pira
E boquiaberta a audiência assistira
O brotar do buquê entre dedos trementes
Que olhos notavam a linda mentira?
Que povo iludido, querendo mais
Pensava o mágico, artista em cartaz
Se com engodo sou-lhes deidade
Imagine se lhes trouxer a verdade
E antes do gran finale
Revelou o truque sagaz
para espanto de todos naquela cidade
Pateta, sorriu do palco esperando
A chuva de palmas, o riso ou o pranto
Mas o que se ouviu foi puro silêncio
A platéia abalada em grave consenso
De que o mágico prestara mau serviço
Era melhor velando, diria o bom senso
Cigarras cantaram, mugiu uma vaca
Numa obra bem longe batiam estaca
Enquanto a platéia em silêncio indagava
Então era isso, só mais um embuste
Charlatão, gritou um, cafajeste
Então era isso, só mais um embuste
Charlatão, gritou um, cafajeste
Perdemos tempo com essa bobagem
E uma faca voou girando na haste
E era afiada, a maldita lâmina
Pregou-se à barriga, sangue a verter
Morreu o pobre mágico, estripado
Por ter simplesmente revelado
O que ninguém queria saber
Por trás da pantomima do defunto estatelado
E como deixei lá em cima uma pista
Poderia ter feito uma lista
Das coisas que a vida me fez entender
E outras que à morte irei esquecer
Que se morre o artista por mostrar a verdade
Desviam a vista despreparados para ver
E as vacas seguem mugindo
E as estacas seguem batendo
Enquanto morrem lindos mentirosos
E outros novos vão nascendo
Até que os peguem na verdade
Porque deles só mentira se espera
A platéia feroz, aturdida
A platéia feliz iludida
13 de abril de 2012
Bandeja de Prata
A mulher entrou no restaurante e, logo abordada pelo maitre atencioso, pediu uma mesa. Para um, respondeu educadamente à pergunta padrão dos maitres atenciosos. Perto da janela, por favor.
Mal sentou-se e um garçom apareceu trazendo um copo d'água alto e cheio até a metade, ou meio vazio, conforme a preferência do leitor. A mulher, porém, faminta, nem reparou na água nem na rosa branca quase desabrochada e repolhuda que boiava num recipiente, este sim, quase a transbordar no meio da mesa. Esgueirou-se atrás do cardápio cerrando os olhos como uma leoa à caça. Virou e revirou as poucas páginas em dúvida e intimou, Vou querer este.
Poucos minutos depois chega uma grande bandeja de prata coberta por uma cúpula reluzente. Posicionando tudo à frente da mulher o garçom destampa a refeição desejando "Bon appetit".
A mulher, salivando, nem percebe a salada e tudo o mais que é posto à mesa em volta da rosa flutuante. Forra o colo com o guardanapo branco para que o molho ainda morno não lhe macule a roupa e à primeira garfada chama logo o maitre novamente. Está frio. Mil desculpas, diz o maitre exagerando nos floreios e chamando estrepitosamente o garçom, dando-lhe um sermão com os olhos.
Voltando com a refeição, provavelmente uma nova peça dada quantidade de dígitos que custa cada prato daquele restaurante, nunca requentariam, o garçom reposiciona a bandeja e aguarda alguns instantes até que a cliente aprove com algum breve soslaio, um olhar carinhoso ou apenas um menear de cabeça afirmativo. Como nenhum sinal de desaprovação aflorou enquanto observava, o garçom achou desnecessário ali continuar e retirou-se para o atendimento de outra mesa.
Satisfeita, apesar de ter deixado alguns nacos ensanguentados no prato, a mulher põe os talheres de lado e pede a conta. Durante o angustiante silêncio que existe entre a digitação da senha do cartão refeição e a máquina cuspir a confirmação do pagamento a mulher diz: Meus parabéns ao chef. Foi o melhor frais cœur humain sur des plateaux d'argent que já experimentei.
E sai.
4 de abril de 2012
Hoje
Hoje acordei cedo
peguei tua mão e pusemos pés na estrada
o sol saía calmo e lento no horizonte
o dia todo a nossa frente
Tanta coisa a acontecer
eu, tu e o futuro
mesmo de longe consigo ver
Hoje não importa cada passo
e sim a vontade, o caminho a percorrer
agora o sol nos inspira
estará sobre nós ao meio-dia
quanto maior a nossa sombra
mais certa a alegria
não sei bem o que nos espera
mas o que importa?
o caminho que fazemos na Terra
é uma linha reta
mesmo que torta
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