Os ossos quebrados estalavam como
bambus vergando sob vento forte. A essa altura não havia mais palavras, sequer os
típicos xingamentos. Apenas o som de punhos e unhas violentos encontrando pele,
cartilagem e órgãos. Uma pirotecnia de sangue voando pelos ares, pintando
pranchas Rorschach pelas paredes.
Ela disse o que tinha que dizer,
como sempre, e ele calou-se. Era a estratégia de ambos para opor-se ao
sofrimento: atropelamento e fuga, respectivamente. O apartamento ficou pequeno
demais para tanta verdade e mágoa contida, a ponto de a ausência causar mais
prazer do que dor.
Os olhos azuis dele já não tinham
fogo ou paixão e ela tampouco mordia mais os lábios de excitação. Seus toques
eram burocráticos, cheios de drible, evitando os pontos que acendiam lembranças
e vontades. Seus beijos eram secos e a sede era por uma nascente que não
jorrava mais de dentro de nenhum dos dois. Eram desertos no meio de um vasto
oásis.
A cotidiana administração da casa
tornou-se o alicerce da união e a qualidade do tempo que passavam juntos era um
gráfico em queda vertiginosa que daria arrepios a qualquer CEO. Por outro lado,
se esquivavam dando asas às suas mais rasas necessidades, compensando a
ausência de alma com o excesso de coisas.
Os diálogos rareavam e nem as
condições do tempo ajudavam o conteúdo. Cada um nutria sua própria distração
independente, cultivando cactos dentro de si. Entorpeciam-se de informação que
não trocavam, numa disputa cujo vencedor seria o melhor ator, o que parecesse
menos afetado.
Deram um último beijo há algum
tempo. Na verdade, desde então se deram vários beijos, mas nenhum deles como
esse último, lá atrás. Haviam passado a tarde caminhando pela praia vendo o sol
se pôr e tomando água de côco. Pareciam tão felizes com as mãos entrelaçadas
contra a brisa úmida que nem imaginavam o potencial destrutivo a fermentar sob
os peitos suspirosos e palavras doces.
Aquele mel foi cristalizando na
medida em que a brasa da relação esfriava. Quando se encontravam, gaguejavam,
tremiam, perdiam o raciocínio no meio das frases, pareciam distraídos um pelo
outro. Mesmo com a casa vazia, havia uma aura suave pairando à meia parede, uma
atmosfera acolhedora que abraçava a ambos, muito antes de as manchas aparecerem
sob suas retinas.
Não se lembravam mais de terem
confidenciado amor eterno um ao outro. A primeira vez não tinha mais
relevância, não sustentava qualquer sentimento ou memória que levasse sequer à autoindulgência.
Quando havia algum sexo, era permeado pelo egoísmo de ambas as partes, pois
quando atingiam o êxtase era apenas para se distanciarem ainda mais no instante
seguinte. Tomavam banho para tirarem de si qualquer resquício do outro que
pudesse incomodar.
Hoje, colhiam os louros de uma
escolha apaixonada e precoce. O sangue que escorria na parede e empoçava no
chão era o banquete para o qual a vida os convidara e no qual apareceram com os
trajes errados. Chegada a hora de despirem-se, souberam que um não tinha fome
do outro, ou melhor, jantarem-se não era mais o suficiente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário