28 de novembro de 2017

A coragem criativa

Uma das muitas ansiedades daqueles engajados em um trabalho criativo é a originalidade. Nos perguntamos: será que o que estou fazendo já foi feito? Tudo o que deveria ser escrito já o foi antes de mim? Que abordagem posso ter para que o que tenho a dizer seja interessante e único?

Diferente do que muitos pensam, o trabalho criativo não se resume a um estado contemplativo onde se espera a queda incondicional de uma inspiração ou um momento Eureka! Muito ao contrário, o trabalho criativo dá-se em meio ao caos. A confusão de influências, ideias, experiências e dúvidas que se embaralham de tal forma que, não raro, torna-se hercúlea a tarefa de criar algo realmente relevante. E é nesse turbilhão em que se encontra a tal inspiração, ou melhor, um fio solto que, quando puxado, por vezes encontramos uma história que valha a pena ser contada.

Já que, portanto, esse trabalho inclui a navegação sem GPS dentro de nossas influências e referências, trazer algo que já foi escrito ou uma forma de se expressar que já foi usada é totalmente válido. Aliás, o grande trabalho criativo inicia-se com a análise de tudo o que se possa analisar do que já foi escrito ou dito sobre o tema abordado. Saber o ponto onde se encontra a discussão é o pontapé inicial para ter sobre ela a sua própria abordagem.

Oliver Sacks em seu ensaio "O Eu Criativo", publicado na coletânea "O Rio da Consciência" aponta que muitos escritores, sejam eles literários ou científicos, escolhem não dar aquele salto de criatividade, aquilo que Schopenhauer aponta como a diferença entre o talento e a genialidade, preferindo permanecer no ápice do domínio da arte, ao invés de aventurar-se em busca de uma expressão realmente única. No livro, Sacks se pergunta "Por que dentre as centenas de alunos do Instituto Julliard de música ou tantos cientistas brilhantes sob os auspícios de excelentes professores, apenas alguns poucos comporão sinfonias memoráveis ou farão descobertas de maior importância? Sera que `a maioria, apesar de seus dons, ainda lhes falta alguma centelha criativa maior? Será que lhes faltam alguma característica além da criatividade que seja essencial para a realização criativa - como ousadia, auto-confiança, independência de pensamento?"

Dessa forma, não se preocupe se achar que lendo Saramago, você se veja propenso a uma prosa sem pontuação. Ou tendo lido Kerouac, esteja dando muitas voltas e digressões em vez de ater-se puramente a argumentação ou até mesmo aquele excesso descritivo que veio, com certeza, da leitura de Victor Hugo. É fato que nos influenciamos, não podemos negar isso. Então, que tenhamos a coragem de fazer dessa influência algo novo, algo que deixe orgulhosos aqueles que nos influenciaram, sem nos preocuparmos com as críticas, pois elas virão e pode ser que os críticos não entendam de primeira nossa proposta e que, só com o tempo, possamos realmente ser reconhecidos.


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