Antes da catraca
Sempre andei de ônibus e sentava antes da catraca, na época que ainda se entrava nos ônibus pela parte de trás, só para ficar observando as pessoas. Tentava imaginar de onde vinham e pra onde iam. Sentia-me um tipo de Sherlock Holmes adivinhando os pontos aonde cada passageiro saltaria.
Mas isso acabou depois que fui assaltado. Os assaltos a ônibus eram comuns, mas, geralmente, os que sentavam antes da catraca eram poupados. Sentar antes da catraca dava às pessoas um ar de marginalidade, de revolta, o trocador achava que a gente ia dar calote. Essa suposta marginalidade nos aproximava dos verdadeiros marginais em ação catando os pertences dos integrados pagadores de passagem lá na frente. Mas, apesar de ter incorporado essa aura marginal à minha atitude, de nada me valeu nesse dia e, graças a deus, consegui, com o tempo, diminuir minha dependência do transporte público.
Viajar antes da catraca também era o fenótipo de uma característica que carrego em meu DNA: a introspecção. Lá de trás conseguia ver tudo sem ser visto e isso me dá outra característica: a possibilidade de ver em perspectiva. Sou bom em me colocar no lugar dos outros e, talvez pelos dois motivos, seja impelido a escrever.
Por muito tempo preferi a poesia que era a realização do “ver sem ser visto”. Mas, aos poucos, a prosa vem me cativando e, através dos contos, ponho em ação essa veia documental destilada nesses pequenos textos cujo estilo, se tiverem paciência e altruísmo suficientes, constatarão nas descrições, às vezes exageradas, foco principal do meu aprimoramento, e nas metáforas inusitadas.
Não domino técnicas nem trago ainda grande bagagem literária nas costas, mas tenho boas intenções. Espero que, um dia, alguma frase que eu venha a escrever ou tenha já escrito provoque uma lágrima ou um sorriso, um susto ou uma reflexão, enjôo ou júbilo. Mas, enquanto isso não acontece, estarei aqui, atrás da catraca, absorvendo e escrevendo até onde esse ônibus me levar.
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