Em 2002 o filme “Jornada da Alma” (The Soul Keeper) contou a história de Sabina Spielerein, russa histérica internada num manicômio em Zurique onde o Dr. Carl Jung começava a colocar em prática as teorias psicanalíticas que desenvolvia juntamente com outro grande doutor e seu mestre, Sigmund Freud.
A Psicologia Analítica elaborada por Jung leva em conta não só aspectos conscientes e seus reflexos na atitude dos pacientes, mas também aspectos do inconsciente como sonhos, intuições e outros fenômenos que nos dão pistas de onde encontrar as causas mais profundas para as diversas psicoses e neuroses que todos nós (sim, todos nós) temos.
Não sou psicólogo e nem tenho a pretensão de, nessas poucas linhas, abordar a densa e profunda obra de Jung, mas, assistindo ao filme, vários aspectos, principalmente o fato de ela ter sido tão revolucionária, me levaram a escrevê-las.
A grande novidade do tratamento proposto por Jung (lembrem-se, segundo essa infidedigna fonte que vos escreve) foi a aproximação entre médico e paciente. Para acessar os arquivos inconscientes de Sabina Spielerein, o Dr. Jung gasta seu tempo, atenção e cuidados com a paciente, até que ela desmonte suas defesas naturais, escaldadas por um histórico de maus tratos e, como o próprio Jung se refere, “métodos medievais” ainda aplicados naquele início de século XX. Em uma inusitada cena, o médico leva sua paciente a um luxuoso restaurante e a alimenta dando-lhe de comer à boca, pois, no hospital, ela se recusava. Nessa busca, o sensível médico acaba por apaixonar-se pela paciente, desenvolvendo um relacionamento irracional e incontrolável por ela.
A grande reviravolta do filme é quando, curada de sua condição de interna de hospício, Sabina, encontrando-se secretamente com o médico que é casado, leva-o a questionar a proximidade com sua própria esposa. Ele se contorce para admitir essa irracionalidade dentro de sua própria vida e corrói-se em dúvida e culpa. Em outra cena brilhante, Jung e Sabina estão numa apresentação de ópera e ele, sem mais nem menos, deixa o teatro em prantos. Ela o segue e pergunta o que há, ao que ele responde debulhando-se em lágrimas “Estou feliz. Maldita felicidade”.
Investigando a irracionalidade dos outros, Jung fora pego de surpresa pela sua própria, cheia de complexos e demônios com os quais ele mesmo não sabe lidar. O filme usa a história até certo ponto feliz de Sabina (que, apesar do fim trágico, consegue reerguer-se da condição esquizofrênica e ser respeitada em seu trabalho) para mostrar um Jung doente de frustrações, culpas e medos. Um médico respeitado por fazer seus pacientes lidarem com suas irracionalidades, incentivando-os a expondo-las como diferencial de personalidade, lutando contra a sua própria, negada e reprimida.
Tendo assistido ao filme, é de se concluir que, uma vez sendo nosso inconsciente a verdadeira morada da nossa personalidade, onde estão muitas das nossas feridas, mas que também encerra suas curas, devemos estar mais atentos à maneira como reagimos às situações em que nos metemos para que nossas decisões e atitudes reflitam quem somos, não quem gostaríamos de ser ou quem os outros esperam que sejamos. Mas, se mesmo Jung, dono da idéia e codificador da teoria, pode, como mostra o filme, escorregar e sofrer entre suas vontades e seus compromissos, quem somos nós, pobres mortais, para não escorregar e sofrer?
PS: Para quem gosta, recomendo uma breve leitura sobre a obra de Jung AQUI . Sobre dois poetas russos citados no filme: Vladimir Maiakovsky e Boris Pasternak. E sobre as pinturas de Gustav Klimt AQUI.
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