“Vamos dar o nosso sangue para salvar a menina Esperança”
“Curti” – pensou Gonzalo ao clicar no botão respectivo daquela rede social. A mensagem era dolorosa: uma escola havia sido invadida por um psicopata que se matou após alvejar treze crianças. Mas a sociedade se organizava para doar sangue aos feridos e principalmente à pequena Esperança, jovem matriculada na quarta série que, entre a vida e a morte, necessitava de sangue na UTI. Ela virou a imagem da tragédia.
Gonzalo, preparando-se para dormir, fechou o laptop decidido a ir até o instituto médico onde a menina estava internada. Após um período turbulento em sua vida, agora tentava colocar a cabeça no lugar e a ação voluntária parecia fazer sentido na lista de atitudes que passaria a ter daqui para frente.
Na manhã seguinte, Gonzalo cumpriu sua rotina: acordou, tomou café, banho, masturbou-se, escovou os dentes, vestiu-se e saiu à prática recém adotada do voluntariado. Como ainda era cedo, não pegou fila e foi encaminhado prontamente à sala de coleta.
Sentou-se e aguardou alguns minutos até que uma moça de seus vinte e poucos anos, jaleco branco e olhos amendoados entrou na sala com um sorriso. Gonzalo se ajeitou na cadeira desconfortável e respirou fundo valorizando o tórax e lendo no crachá dela “Enfermeira Lea”.
Lea deu um bom dia educado e foi descrevendo automática o procedimento enquanto arrumava o material necessário em cima da mesa. Gonzalo não prestou atenção em nada além do discreto decote que prometia seios proporcionais á estatura baixa e compleição justa da menina, pelo menos até ela perguntar seu nome.
Nesse instante, Gonzalo levantou os olhos mirando nos dela e embalou a resposta com seu sorriso mais comprido. A moça sorriu de volta e continuou:
- Sr. Gonzalo, vou fazer algumas perguntas para saber se o senhor esta apto a doar sangue para o nosso banco. Posso?
Instintivamente, Gonzalo responderia um lânguido “pode tudo”, mas limitou-se a dizer um “sim” cortês.
- Peso.
- 75kg
- Altura.
- 1,78cm
- Alergias?
- Não.
- Doença crônica?
- Não.
- Toma alguma medicação de uso constante?
- Não – mentiu lembrando-se da crescente freqüência com que agora consumia vaso-dilatadores.
- Tem alguma tatuagem?
- Não.
- Se masturba mais de uma vez por dia?
Gonzalo arregalou os olhos e demorou longos segundos para decidir o que responder. Por um lado queria muito cultivar o civismo e fazer sua parte na comoção social pela trágica situação da menina internada e não tinha noção se muito é bom ou ruim nesse caso. Por outro, não queria expor aquele hábito incompreendido àquela linda moça que, até onde sua percepção podia alcançar, havia respondido positivamente a seus flertes.
Mas ainda havia uma terceira alternativa:
- Hoje em dia, não – respondeu confiante e foi a vez de Lea desamendoar os olhos, arregalando-os.
- Desculpe. Não entendi – desconversou a menina e perguntou novamente – o que disse?
- Hoje em dia, não. Já houve épocas em que me masturbava três vezes ao dia. Mas me expunha a muitos riscos com a vespertina. Hoje faço uso desse artifício somente quando estou na dúvida se quero ou não sair com uma menina. Se após umazinha ainda estiver a fim de sair com ela, eu saio. Se não, fico em casa mesmo. Não troco uma boa descascada por qualquer mulher – terminou passando um dos braços por cima do encosto da cadeira sentindo-se mais à vontade, afinal era expert no assunto.
Sem saber como reagir, Lea só conseguiu ruborizar e quando já formulava uma resposta qualquer para fugir do assunto, um outro enfermeiro abriu a porta com tristeza e desolação no semblante pesado:
- Lea, suspende as coletas que a Esperança acabou de falecer.
A notícia pegou Gonzalo de calças arriadas. Literalmente. Uma vez que já se preparava para decidir se sairia ou não com Lea.
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