O que lês quando não és forçado determina o que serás quando não tiveres escolha. - Oscar Wilde.
28 de agosto de 2012
Cortina de Fumaça
Ouço teu sussurro mas não sinto
seu hálito, teu sorriso invisível
teus passos, a porta se abrindo
e eu nesse espaço vazio
Tuas doces palavras amargas
o abdome se ressente
enquanto a distância de cura
é a mesma de dor e conflito
Estamos perdidos, procurando explicação
uma nova epifania, um estado de graça
entre tanta simulação,
silhuetas e cortina de fumaça
Então me pergunto o que será no fim
quando todos desligarmos os aparelhos
e olhando dentro de mim
me acostumar com a sala de espelhos
E tudo é lindo quando é novo
e quando novo tudo é tão terno
pode ser um amor proibido
ou um abraço fraterno
Um dia o vento leva toda a purpurina
e perde a fada a asa cristalina
e o vinho não passará de vinagre
sob a cortina de fumaça das velas
que imploram sempre um novo milagre
____________________________________
Com o fim da luz vem uma outra
e mais uma e mais uma
como um sol transladando a minha volta
e eu contendo a revolta
procurando mundo afora
um lugar que me receba
companhia que me beba
até o raiar da nova aurora
21 de agosto de 2012
Tentativas
Eu que já tentei de tudo
Fiquei
cego, surdo e mudo
E de nada
adiantou
Me atirei em outros braços
Tirei mil
novos retratos
O seu
nunca desbotou
Já joguei
as roupas fora
E a
lembrança ainda aflora
Um broto
de erva daninha
Eu renovo
o meu canteiro
Me ocupo
o dia inteiro
Debruçado à escrivaninha
Inventando
tantos jeitos
De
lembrar só teus defeitos
Que
esqueci de decorar
Lembro a
cor da sua unha
E as
loucuras que propunha
Só para a
gente se encontrar
E quanto
mais esforço eu faço
Para sair
desse embaraço
Mais me
enrolo no novelo
Até a Buda eu hoje clamo
Para me
esquecer de que te amo,
teus
carinhos, teu desvelo
Mas não há santo que dê conta
Desse
amor que ainda desponta
E me tira
deste mundo
E eu
sufoco, escondo e mato
Mas ele,
como um desacato
Vai e
volta mais profundo
Se
escondendo nessas poucas
Irreconhecíveis bocas
A que me
levam tua ausência
E eu
tentando não lembrar
Não faço mais que recordar
E ao
calar, peço clemência
Por
favor, me deixa em paz
Tenha dó desse rapaz
Ó sentimento dolorido
Que não morre ou se desfaz
E que também não volta atrás
A reviver
o colorido
Fica
nesse lusco-fusco
A se
arrastar como um molusco
Ruminando
idas e vindas
Queria só por um momento
Um bem
breve esquecimento
Que
assoprasse essa ferida
Já seria um bom alento
Contra
esse grão tormento:
Que é lembrar por toda a vida
13 de agosto de 2012
Ossos
Os ossos quebrados estalavam como
bambus vergando sob vento forte. A essa altura não havia mais palavras, sequer os
típicos xingamentos. Apenas o som de punhos e unhas violentos encontrando pele,
cartilagem e órgãos. Uma pirotecnia de sangue voando pelos ares, pintando
pranchas Rorschach pelas paredes.
Ela disse o que tinha que dizer,
como sempre, e ele calou-se. Era a estratégia de ambos para opor-se ao
sofrimento: atropelamento e fuga, respectivamente. O apartamento ficou pequeno
demais para tanta verdade e mágoa contida, a ponto de a ausência causar mais
prazer do que dor.
Os olhos azuis dele já não tinham
fogo ou paixão e ela tampouco mordia mais os lábios de excitação. Seus toques
eram burocráticos, cheios de drible, evitando os pontos que acendiam lembranças
e vontades. Seus beijos eram secos e a sede era por uma nascente que não
jorrava mais de dentro de nenhum dos dois. Eram desertos no meio de um vasto
oásis.
A cotidiana administração da casa
tornou-se o alicerce da união e a qualidade do tempo que passavam juntos era um
gráfico em queda vertiginosa que daria arrepios a qualquer CEO. Por outro lado,
se esquivavam dando asas às suas mais rasas necessidades, compensando a
ausência de alma com o excesso de coisas.
Os diálogos rareavam e nem as
condições do tempo ajudavam o conteúdo. Cada um nutria sua própria distração
independente, cultivando cactos dentro de si. Entorpeciam-se de informação que
não trocavam, numa disputa cujo vencedor seria o melhor ator, o que parecesse
menos afetado.
Deram um último beijo há algum
tempo. Na verdade, desde então se deram vários beijos, mas nenhum deles como
esse último, lá atrás. Haviam passado a tarde caminhando pela praia vendo o sol
se pôr e tomando água de côco. Pareciam tão felizes com as mãos entrelaçadas
contra a brisa úmida que nem imaginavam o potencial destrutivo a fermentar sob
os peitos suspirosos e palavras doces.
Aquele mel foi cristalizando na
medida em que a brasa da relação esfriava. Quando se encontravam, gaguejavam,
tremiam, perdiam o raciocínio no meio das frases, pareciam distraídos um pelo
outro. Mesmo com a casa vazia, havia uma aura suave pairando à meia parede, uma
atmosfera acolhedora que abraçava a ambos, muito antes de as manchas aparecerem
sob suas retinas.
Não se lembravam mais de terem
confidenciado amor eterno um ao outro. A primeira vez não tinha mais
relevância, não sustentava qualquer sentimento ou memória que levasse sequer à autoindulgência.
Quando havia algum sexo, era permeado pelo egoísmo de ambas as partes, pois
quando atingiam o êxtase era apenas para se distanciarem ainda mais no instante
seguinte. Tomavam banho para tirarem de si qualquer resquício do outro que
pudesse incomodar.
Hoje, colhiam os louros de uma
escolha apaixonada e precoce. O sangue que escorria na parede e empoçava no
chão era o banquete para o qual a vida os convidara e no qual apareceram com os
trajes errados. Chegada a hora de despirem-se, souberam que um não tinha fome
do outro, ou melhor, jantarem-se não era mais o suficiente.
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