21 de dezembro de 2010

Reminiscências do Ano Velho - 2010

Mantendo a jovem tradição das Reminiscências do Ano Velho, primeiramente publicada AQUI no final de 2009, volto à prancheta para desenhar com palavras o perfil de 2010 através dos fatos que nos tiraram o sono, do sério e da cadeira.

O ano de 2010 começou com o trágico prenúncio de que o planeta começaria a segunda década do terceiro milênio cobrando as faturas dos últimos duzentos mil anos de presença humana a detonar a Terra e, provando que não faz distinção de nossas classes sociais em sua ira, resolveu dar exemplo em Angra dos Reis, balneário carioca reduto de veraneio dos cheios da grana, e no Morro do Bumba, comunidade carente de Niterói que só conseguiu ver água encanada quando as águas do dilúvio correram por entre suas vielas. Mas a desforra natural não privilegiou do Brasil. A Terra sacudiu-se toda no Chile, no Haiti e em um monte de outros lugares como se quisesse se livrar de nós, suas eternas pulgas, como um cão que já cansou de se coçar.

Nossa sorte foi que achamos outro cão para sugar, ou melhor, outro planeja onde morar. Trata-se de uma descoberta fenomenal: um planeta com as condições muito similares às da Terra na constelação de Libra, logo ali a 20,3 anos-luz, com vista para um sol vermelho, a Gliese 581. O planeta é perfeito: tem água nos três estados, ciclos freqüentes de calor e frio e, o melhor, não tem nenhum ser humano lá e levaria mais ou menos 780 anos para um ônibus espacial chegar lá saindo de Cabo Canaveral, mais tranqüilo do que sair da Barra da Tijuca em direção ao Centro. Nesse prazo dá até tempo de a esperança morrer.

Mas enquanto a esperança definha, testemunhamos o processo eleitoral mais desacreditado da história do Brasil. Como diria nosso presidente, nunca na história desse país votamos tanto em pessoas tão despudoradamente despreparadas. Aliás, tornou-se um diferencial eleitoral a imbecilidade.

E para não falarem que não falei do Tiririca, permanecerei em silêncio de oração.

Eleições em ano de Copa tem dessas coisas, o eleitor acaba esquecendo o que tem que fazer e elege para o Congresso e para a Câmara aqueles que gostariam de enviar para disputar o título mundial de futebol. E o resultado é que conseguimos eleger, com uma votação recorde, um plantel de dar inveja: Romário, Bebeto, Danrlei (ele mesmo, goleiro do Grêmio), Marques (craque no Atlético-MG). E, no banco, ainda ficaram Marcelinho Carioca, Vampeta, Dinei...assim, as coisas acabariam em pelada com churrasco em vez de pizza em Brasília. E, falando em futebol, a derrota do Brasil na Copa só não foi uma decepção pior do que o episódio final de LOST.

Mas já que não conquistamos a África, pelo menos conquistamos o Alemão e a Vila Cruzeiro. Num exemplo de organização que não víamos desde a Guerra do Paraguai, polícias e exército juntaram-se para cercar e tomar o maior reduto e centro de distribuição de drogas do estado. Insuflados pelo sucesso de Tropa de Elite 2, filme que deu voz à vontade da classe média de explodir tudo e começar de novo, o BOPE voltou à moda e empatou com Fiuk e Restart o título de artista do ano.

O ano em que se lembrou os trinta anos da morte de John Lennon também nos levou o gênio José Saramago, mas não sem deixar-nos uma linda despedida com o filme José & Pilar, do diretor português Miguel Gonçalves Mendes. Uma história de amor digna de ser cinematografada. Não tão inusitada quanto a do mineiro chileno resgatado e esperado na superfície pela mulher e pela amante. Aliás, esses mineiros foram as verdadeiras celebridades de 2010: 33 pessoas soterradas resgatadas após 17 dias com direito a cobertura ao vivo da Rede Globo, Kibe Loco, tweets e posts das diversas redes sociais com IBOPE maior do que o BBB. Um mega evento de proporções gigantescas, só faltou patrocinadores e merchandising. O Sebastian Piñera está estudando afundar um submarino no ano que vem. Conversas estão quentes com os russos do Kursk.

Mas 2010 também nos reservou gratas surpresas. Uma delas foi o iPad, produto revolucionário da Apple que é tudo e não é nada ao mesmo tempo. Vai entender a cabeça do Steve Jobs. Ele consegue desenvolver um produto que serve para um monte de coisas que ainda não existem e consegue mobilizar um monte de gente para criar coisas para que seu produto tenha uma utilidade. Genial. Palmas para ele.

E já no final do ano, descobrimos mais um maluco ganhando dinheiro com coisas aparentemente sem valor: Julian Assange e seu WikiLeaks. O site de vazamento de informações confidenciais funciona desde 2006, mas só conseguiu realmente incomodar e ganhar a devida notoriedade esse ano com o vazamento do que foi chamado Cablegate, o escândalo dos cabos, onde mostra através de inúmeros documentos o posicionamento dos EUA em suas relações internacionais desde 1966, com pareceres sobre líderes, governos e movimentos ao redor do mundo.

Sobre o Brasil, o WikiLeaks revelou diversos relatórios americanos definindo questões culturais, a aproximação entre Lula e Sarkozy e, finalmente, sobre Dilma Roussef, nossa futura nova presidenta. Nos documentos, os EUA não colocavam fé na eleição da ex-guerrilheira, mas mesmo assim ela ganhou. E, como para ratificar a alegria com sua nova líder, o Legislativo aprovou um belo presente de Natal para ela e para si mesmos: um aumento de salário de mais de 130%. Em 2011, o cargo de presidente da república deixa de pagar R$ 10,7 mil por mês e passa a pagar R$ 26,7 mil por mês.

E é com esse soldo mensal no bolso que Dilma inaugurará uma nova era na história do Brasil. Ela, uma mulher, uma combatente, uma mãe, uma ex-guerrilheira, ex-sequestradora, ex-assaltante de banco, ex-ministra, ex-presidiária e tudo isso sem ter sido eleita uma vez sequer. Parabéns a Dilma e sucesso, muito sucesso e sorte para essa p... não virar até 2014, porque não vai dar para ter Copa num Brasil pior do que o de hoje.

2 comentários:

Anônimo disse...

sensacional!

ethel disse...

sensacional!