4 de dezembro de 2017

Carta de Scott Fitzgerald a um jovem escritor

O Império das Letras tem como missão incentivar novos autores a escrever e todos aqueles que já escrevem, mas que não se consideram autores, a tirarem suas histórias da gaveta.

Sabemos que os primeiros passos nas searas deste Império são duras, cruéis e inseguras. Por isso, sempre que podemos, publicamos sugestões, dicas e experiências de autores já consagrados que possam orientar os novos.

Foi isso o que fez F. Scott Fitzgerald, autor de clássicos como O Grande Gatsby e O Curioso Caso de Benjamin Button, em 1938, quando recebeu por correio um conto de Frances Turnbull, seu amigo há muito distante, que lhe pedia uma opinião sobre a qualidade do escrito. Fitzgerald, além de responder-lhe com sinceridade sobre o texto, lhe escreveu linhas as mais inspiradas sobre o início da profissão, as quais reproduzo abaixo:

9 de Novembro, 1938
Querida Frances:

Eu li a história com carinho e, Frances, receio que o preço de fazer um trabalho profissional é bem maior do que você está preparada para apresentar. Você tem que vender seu coração, suas reações mais fortes, não as pequenas coisas que só te tocam levemente, as experiências que você está disposta a contar no jantar. Isso é especialmente verdadeiro quando você começa a escrever, quando você ainda não desenvolveu os truques de pessoas interessantes no papel, quando você não tem a técnica que leva tempo para aprender. Em suma, quando você só tem as emoções para vender.

Todos os escritores passam por isso. Foi preciso que Dickens colocasse em Oliver Twist o seu ressentimento passional de abuso e fome que o assombrou por toda a infância. As primeiras histórias de  Ernest Hemingway mergulharam no fundo de tudo o que ele sentira e conhecera. Em, “Este lado do paraíso”, eu falo sobre um amor que ainda sangrava como a ferida na pele de um hemofílico.

O amador, vendo como o profissional que já aprendeu tudo sobre a escrita pode transformar algo trivial como reações superficiais de três garotas comuns e transformá-las em algo sagaz e charmoso – o amador acha que ele ou ela pode fazer o mesmo . Mas o amador pode apenas transferir suas emoções para outra pessoa num expediente desesperado e radical como derramas sua primeira história de amor trágico do seu coração e o colocar nas páginas para o mundo ver.

Este é, de qualquer maneira, o preço da entrada. Quando você estiver preparado para pagar, ou quando ele coincidir ou conflitar com sua opinião sobre o que é “bom” cabe a você decidir. Mas, literatura, mesmo literatura leve, não aceitará menos de um neófito. É uma dessas profissões que exige “trabalho”. Você não estaria interessada em um soldado que é só um pouco corajoso.

À luz destes fatos, não me parece válido analisar porque esta história não é vendável, mas eu gosto demais de você para não levá-la a sério, como pessoas da minha idade o fariam. Se você um dia decidir contar histórias, ninguém estaria mais interessado que

Seu velho amigo,
F. Scott Fitzgerald

P.S. Eu devo dizer que a escrita é suave e agradável e algumas páginas são bem aptas e envolventes. Você tem talento  — o que é o equivalente a um soldado ter as qualificações físicas adequadas para entrar em West Point.

Você estaria preparado para uma crítica assim?

A carta foi publicada em Uma Vida em Cartas, ainda inédito em Português mas disponível aqui: http://amzn.to/2ifG2Rr

Para os clássicos de F. Scott Fitzgerald:
- O Grande Gatsby - http://amzn.to/2jKrPMI
- O Curioso Caso de Benjamin Button - http://amzn.to/2AtjPHV
- Este Lado do Paraíso - http://amzn.to/2jLS7xX
- Suave é a Noite - http://amzn.to/2AsBgZ1

F. Scott Fitzgerald fez parte da chamada "Geração Perdida" de escritores americanos que migraram para Paris para escrever e usufruir da vida boêmia que a cidade-luz oferecia. Ficou rico e famoso, mas perdeu toda a fortuna tendo morrido sem nenhum dinheiro, com sua mulher internada num manicômio. Deixou uma filha, Frances Scott Fitzgerald, jornalista e também escritora.

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