- Bem, Rodolpho. Estamos na página 200. Sua tarefa de hoje é copiar até a página 250 e traduzir da página 227 a 234 para o latim. Eu estarei na sala ao lado, caso necessite de ajuda.
Abriu o livro na prancheta de madeira escura e pousou a pena no pequeno recipiente de tinta ao lado. Comecei a leitura e ia bem avançado quando comecei a ouvir sussurros vindos de detrás da estante de livros. A princípio não me perturbavam, acostumado como estava eu em concentrar-me na leitura, mas quando percebi que era a voz de meu pai que ecoava, parei imediatamente o trabalho. Tentei esforçar-me para compreender o que dizia, mas a única coisa que conclui foi que não estava sozinho. Olhei para a porta entreaberta que dava para a sala contígua onde se encontrava Maurice e como um gato, saí da prancheta e em direção à estante. Preocupado em não fazer barulho e atrair a atenção de Maurice, desloquei os livros de onde vinham os sons, mas nada havia atrás deles, nenhum buraco ou brecha. A cada ranger do piso, a cada roçada do couro na prateleira, os pelos de minha nuca se arrepiavam...não podia deixar que Maurice me visse bisbilhotando, ainda mais no meio dos livros. Era capaz de ele me por para copiar uma enciclopédia inteira.
Colei meu ouvido na parte de trás da estante e pude prestar atenção à conversa.
- Mas Majestade...isso são coisas de jovem. Com o tempo ele toma jeito e começa a se interessar por coisas adultas – disse Massif tentando amenizar o humor do Rei.
- Não, amigo. Desta vez você está enganado. É a terceira vez que ele some sem deixar vestígios. Ele tem que aprender a respeitar as regras. Ele será Rei em breve e não pode continuar agindo como uma criança!
- E como pode ter tanta certeza de essa ser mais uma peripécia?
- Eu o conheço, Massif. Chegará aqui com as roupas em frangalhos e hálito de bebida.
- Mesmo assim, Majestade, os novos pupilos só são aceitos na primavera. Seria impossível conseguir-lhe uma vaga em pleno verão. E, mesmo que consiga, Vossa Majestade tem que dispor das quantias relativas à matricula do rapaz. Que não são nada convidativas.
- É o reino que está em jogo aqui, Massif. – disse socando fortemente a mesa que os separava – Se ele não se endireitar, o reino afunda e todo o legado de meus antepassados logo estará como as ruínas dos romanos. Não posso mais me dar ao luxo de relevar suas criancices. Tenho que fazer alguma coisa drástica e acho que essa é a melhor decisão.
- Tem certeza, Majestade?
Após um breve silêncio, um suspiro...
- Sim, Massif. Tome as providências necessárias.
Um estalo atrás de mim e corri de volta para a prancheta. Corri os olhos novamente para a estante para ver se não tinha deixado vestígios de minha bisbilhotice até observar Maurice adentrando a sala, com alguns livros no colo.
Curioso sobre a conversa que acabara de ouvir, comecei a puxar assunto com meu tutor
- De onde vem este Massif, afinal? – perguntei o mais ingenuamente possível.
- Massif é turco, meu rapaz. Um velho amigo de seu pai que veio fiscalizar a chegada das mercadorias do leste. Sendo do leste, ele mesmo poderá verificar a qualidade dos tecidos.
- E como eles se conheceram?
- Nas viagens de seu avô. Por vezes a família de Massif hospedou seu avô e seu pai em suas terras no Oriente. Quando ficou moço, Massif se instalou na corte de seu avô e nos ajudou muito a celebrar acordos comerciais com nossos aliados.
- E como ele aprendeu a nossa língua?
- Estudando, meu príncipe, estudando – disse orgulhoso de suas atribuições – Ele passou sua juventude na Academia Arábica de Toledo.
To be continued...
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