Mesmo se o céu, mesmo se o mar
Mesmo se um dia tudo mudar
Mesmo se a noite nunca acabar
Mesmo se o sol parar de brilhar
Mesmo se a distância nos separar
E o olho secar e o peito apertar
Mesmo que a vida me force a lutar
Mesmo se a lua não iluminar
E pelas ruas eu continuar
E sentado na esquina eu tiver que esperar
E durante as festas eu me maltratar
Mesmo se palavras eu não encontrar
E mesmo se a música parar de tocar
Mesmo se a lembrança se embaralhar
Mesmo se o mundo parar de girar
Mesmo que as ondas tentem me afogar
Mesmo se a mistura nunca funcionar
Se a cadeira quebrar e a corda arrebentar
Mesmo que não tenha quem me consolar
Ou um copo gelado a me confortar
Mesmo sem colo onde repousar
Mesmo se tudo me condenar
Mesmo se a chuva parar de molhar
Ou se em fogo eu me incinerar
Mesmo se um dia eu esquecer seu olhar
Mesmo se nunca mais voltar
Jogado num canto escuro do bar
Ou ajoelhado na nave a orar
Mesmo que já não sobre lugar
Mesmo que eu tenha que me apertar
Mesmo se a brisa parar de soprar
E o sétimo inferno vier me buscar
Se o paraíso me rechassar
Se meu mais caro amigo me abandonar
Mesmo se um dia eu sofrer sem chorar
Ou mesmo viver sem ninguém magoar
Mesmo se tudo ficar como está
Mesmo se o afeto não impressionar
Se no fundo já esteja farto de esperar
Não se engane, querida, não vou descansar
Enquanto em meus braços não te embalar
E de olhos fechados me ouvir sussurrar
O quanto de amor eu lhe tenho para dar.
O que lês quando não és forçado determina o que serás quando não tiveres escolha. - Oscar Wilde.
19 de outubro de 2012
19 de setembro de 2012
Quando o dia raiar
Quando o dia raiar, não terás mais tormento
Não terá mais sentido o lamento
o sussurro que me chega do fim
Não abrigarás sentimento
que julgas ora bom ora ruim
Quando o dia raiar, o sol trará grito e aplauso
abraço entremeado de riso
corpos entregues ao mesmo movimento
Lembra que a noite passou num instante
e que, exausta, de peito arfante
ainda via a beleza daquele momento
Quando o dia raiar te esqueças da dúvida
a se concentre na dádiva
o bem que faz amarmos assim
E quem sabe outra hora, em outro ambiente
num dia que te encontres contente
por receber o tanto de amor que flui de mim
possa enfim libertar o sorriso, espontaneamente
esse lindo sorriso que sob corrente
você guarda fundo dentro de si
Nesse dia, o sol nascerá a pino
e de longe se escutará o sino
solitário anunciando o fim do fim
Quando o dia raiar, terás tudo e de peito leve
e aquilo que tem sido lindo e breve
fará parte do todo que és tu por completo
permanecerá na memória, indelével
resistindo com energia invejável
como a imagem de nós refletida no teto
Corro o risco então da loucura
de mãos dadas num dia e noutro à procura
das tuas palavras que me dão sustento
do teu beijo que me percorre lento
e dissipa a mais profunda amargura
Da nossa sintonia pura que é meu alimento
sobrevivo de ti com toda fartura
enquanto estiver no teu pensamento
11 de setembro de 2012
Saudades 1
No meio do dia tropeço na saudade. Doído, meu peito arde por não sentir-te sobre ele. Tu cabias inteira ali respirando entregue ao sono. Mesmo crescida me confiava em abandono.
Onde estão teus chutes que, mesmo pai, senti à noite. Onde está seu choro ao qual, mesmo insône, socorria-te.
Teu sorriso que é meu. Teu jeito que é meu. Cada dia mais longe e eu, comprimindo a tristeza, a falta, o cinzento do dia que é o dia sem te ver.
Não te esqueças de mim, peço eu ao anjo invisível, desconhecido enquanto escrevo. Tu és a coisa mais importante para mim. Sinto a ausência dos teus pequenos braços, da tua confiança, da tua rebeldia e obediência. Da tua voz gargalhando e chorando, negociando. Seu corpo que eu cuidei tão bem. Estalar seus dedos, secar suas lágrimas, pentear seus cabelos. Rir, correr, cair, brincar. Minha infância é sua. Sua infância é a minha segunda chance.
Se me arrependo de algo é a distância entre nós. Se choro por algo é a falta que você me faz. Se torço por algo é que passe logo e fiques do meu lado uma vez mais, tanto quanto quiser.
Cresça comigo, converse comigo. Sua inocência, suas confidências, seus segredos. Nossas mágicas. Cócegas, café-da-manhã com seus pés sobre minhas pernas. Te lembrarás disso?
Teu carinho, teu abraço. Choro, choro e choro sentindo a sua falta.
Onde estão teus chutes que, mesmo pai, senti à noite. Onde está seu choro ao qual, mesmo insône, socorria-te.
Teu sorriso que é meu. Teu jeito que é meu. Cada dia mais longe e eu, comprimindo a tristeza, a falta, o cinzento do dia que é o dia sem te ver.
Não te esqueças de mim, peço eu ao anjo invisível, desconhecido enquanto escrevo. Tu és a coisa mais importante para mim. Sinto a ausência dos teus pequenos braços, da tua confiança, da tua rebeldia e obediência. Da tua voz gargalhando e chorando, negociando. Seu corpo que eu cuidei tão bem. Estalar seus dedos, secar suas lágrimas, pentear seus cabelos. Rir, correr, cair, brincar. Minha infância é sua. Sua infância é a minha segunda chance.
Se me arrependo de algo é a distância entre nós. Se choro por algo é a falta que você me faz. Se torço por algo é que passe logo e fiques do meu lado uma vez mais, tanto quanto quiser.
Cresça comigo, converse comigo. Sua inocência, suas confidências, seus segredos. Nossas mágicas. Cócegas, café-da-manhã com seus pés sobre minhas pernas. Te lembrarás disso?
Teu carinho, teu abraço. Choro, choro e choro sentindo a sua falta.
28 de agosto de 2012
Cortina de Fumaça
Ouço teu sussurro mas não sinto
seu hálito, teu sorriso invisível
teus passos, a porta se abrindo
e eu nesse espaço vazio
Tuas doces palavras amargas
o abdome se ressente
enquanto a distância de cura
é a mesma de dor e conflito
Estamos perdidos, procurando explicação
uma nova epifania, um estado de graça
entre tanta simulação,
silhuetas e cortina de fumaça
Então me pergunto o que será no fim
quando todos desligarmos os aparelhos
e olhando dentro de mim
me acostumar com a sala de espelhos
E tudo é lindo quando é novo
e quando novo tudo é tão terno
pode ser um amor proibido
ou um abraço fraterno
Um dia o vento leva toda a purpurina
e perde a fada a asa cristalina
e o vinho não passará de vinagre
sob a cortina de fumaça das velas
que imploram sempre um novo milagre
____________________________________
Com o fim da luz vem uma outra
e mais uma e mais uma
como um sol transladando a minha volta
e eu contendo a revolta
procurando mundo afora
um lugar que me receba
companhia que me beba
até o raiar da nova aurora
21 de agosto de 2012
Tentativas
Eu que já tentei de tudo
Fiquei
cego, surdo e mudo
E de nada
adiantou
Me atirei em outros braços
Tirei mil
novos retratos
O seu
nunca desbotou
Já joguei
as roupas fora
E a
lembrança ainda aflora
Um broto
de erva daninha
Eu renovo
o meu canteiro
Me ocupo
o dia inteiro
Debruçado à escrivaninha
Inventando
tantos jeitos
De
lembrar só teus defeitos
Que
esqueci de decorar
Lembro a
cor da sua unha
E as
loucuras que propunha
Só para a
gente se encontrar
E quanto
mais esforço eu faço
Para sair
desse embaraço
Mais me
enrolo no novelo
Até a Buda eu hoje clamo
Para me
esquecer de que te amo,
teus
carinhos, teu desvelo
Mas não há santo que dê conta
Desse
amor que ainda desponta
E me tira
deste mundo
E eu
sufoco, escondo e mato
Mas ele,
como um desacato
Vai e
volta mais profundo
Se
escondendo nessas poucas
Irreconhecíveis bocas
A que me
levam tua ausência
E eu
tentando não lembrar
Não faço mais que recordar
E ao
calar, peço clemência
Por
favor, me deixa em paz
Tenha dó desse rapaz
Ó sentimento dolorido
Que não morre ou se desfaz
E que também não volta atrás
A reviver
o colorido
Fica
nesse lusco-fusco
A se
arrastar como um molusco
Ruminando
idas e vindas
Queria só por um momento
Um bem
breve esquecimento
Que
assoprasse essa ferida
Já seria um bom alento
Contra
esse grão tormento:
Que é lembrar por toda a vida
13 de agosto de 2012
Ossos
Os ossos quebrados estalavam como
bambus vergando sob vento forte. A essa altura não havia mais palavras, sequer os
típicos xingamentos. Apenas o som de punhos e unhas violentos encontrando pele,
cartilagem e órgãos. Uma pirotecnia de sangue voando pelos ares, pintando
pranchas Rorschach pelas paredes.
Ela disse o que tinha que dizer,
como sempre, e ele calou-se. Era a estratégia de ambos para opor-se ao
sofrimento: atropelamento e fuga, respectivamente. O apartamento ficou pequeno
demais para tanta verdade e mágoa contida, a ponto de a ausência causar mais
prazer do que dor.
Os olhos azuis dele já não tinham
fogo ou paixão e ela tampouco mordia mais os lábios de excitação. Seus toques
eram burocráticos, cheios de drible, evitando os pontos que acendiam lembranças
e vontades. Seus beijos eram secos e a sede era por uma nascente que não
jorrava mais de dentro de nenhum dos dois. Eram desertos no meio de um vasto
oásis.
A cotidiana administração da casa
tornou-se o alicerce da união e a qualidade do tempo que passavam juntos era um
gráfico em queda vertiginosa que daria arrepios a qualquer CEO. Por outro lado,
se esquivavam dando asas às suas mais rasas necessidades, compensando a
ausência de alma com o excesso de coisas.
Os diálogos rareavam e nem as
condições do tempo ajudavam o conteúdo. Cada um nutria sua própria distração
independente, cultivando cactos dentro de si. Entorpeciam-se de informação que
não trocavam, numa disputa cujo vencedor seria o melhor ator, o que parecesse
menos afetado.
Deram um último beijo há algum
tempo. Na verdade, desde então se deram vários beijos, mas nenhum deles como
esse último, lá atrás. Haviam passado a tarde caminhando pela praia vendo o sol
se pôr e tomando água de côco. Pareciam tão felizes com as mãos entrelaçadas
contra a brisa úmida que nem imaginavam o potencial destrutivo a fermentar sob
os peitos suspirosos e palavras doces.
Aquele mel foi cristalizando na
medida em que a brasa da relação esfriava. Quando se encontravam, gaguejavam,
tremiam, perdiam o raciocínio no meio das frases, pareciam distraídos um pelo
outro. Mesmo com a casa vazia, havia uma aura suave pairando à meia parede, uma
atmosfera acolhedora que abraçava a ambos, muito antes de as manchas aparecerem
sob suas retinas.
Não se lembravam mais de terem
confidenciado amor eterno um ao outro. A primeira vez não tinha mais
relevância, não sustentava qualquer sentimento ou memória que levasse sequer à autoindulgência.
Quando havia algum sexo, era permeado pelo egoísmo de ambas as partes, pois
quando atingiam o êxtase era apenas para se distanciarem ainda mais no instante
seguinte. Tomavam banho para tirarem de si qualquer resquício do outro que
pudesse incomodar.
Hoje, colhiam os louros de uma
escolha apaixonada e precoce. O sangue que escorria na parede e empoçava no
chão era o banquete para o qual a vida os convidara e no qual apareceram com os
trajes errados. Chegada a hora de despirem-se, souberam que um não tinha fome
do outro, ou melhor, jantarem-se não era mais o suficiente.
31 de julho de 2012
Carta para mim no futuro
Rio, 25 de Julho de 2012, 23:59
De: Fabio de 2012
Para: Fabio de 2022
Fala, cara. Tudo bem?
Estou aqui no último minuto dos nossos 33 anos e me lembrei de você.
Espero que tudo esteja bem e que as escolhas que fiz tenham sido proveitosas para você aí no futuro. É pelo que eu sinceramente torço uma vez que fazê-las hoje me custaram mais dos poucos cabelos que tu sabes tão bem quanto eu como são raros, se é que aí daqui a 10 anos ainda restam.
Aqui, com 33 para 34 anos, acho que já vivi metade de nossa vida. Deixo aqui então um apelo para que tente tão arduamente viver bem a metade final quanto eu venho tentando viver a inicial. Você vai ver que não será fácil, mas acho que você consegue, uma vez que já será mais vivido que eu, mais experiente e mais preparado para todas as preocupações que eu deixei aí para você.
Tenho certeza que agora vem a metade mais complicada da nossa vida. A primeira foi moleza, teve a infância que consumiu boa parte dela e, da juventude, deixo para você belas lembranças que deverão ser o combustível e o equilíbrio que você vai precisar nos momentos mais difíceis que certamente virão. E quando vierem, lembre-se das pitombas, das pitangas e da cana-de-açúcar lá em Vila Valqueire. De catar a bola com nojo de dentro do rio no Grajaú, da manga atirada pelo primo que abriu o lábio e sangramos feio pela primeira vez. Das tardes sobre as pedras em Guarapari e das madrugadas sobre as dunas de Cabo Frio. Daquela noite no Bairro Peixoto. Daquela tarde que estabeleceria os quinze anos seguintes ou daquele momento que parou no tempo em que soube a importância da diferença entre um e dois traços azuis num pedaço de plástico.
Tomara que ainda estejam aí contigo nosso pai e nossa mãe pois foi por causa deles que tudo isso aconteceu. Sem o amor deles nem eu nem você poderíamos estar agora nos correspondendo. E se acaso não estejam, estarão certamente em lugar melhor do que eu e você estamos. Mas nunca os deixe fora da sua vida como eu muitas vezes fiz por imaturidade, orgulho e essa necessidade urgente de liberdade que, sabes bem, acalentamos no fundo do peito e tatuei no alto das costas.
E que vontade de saber como anda a nossa filha aí no futuro. Quatorze anos. Em breve debutará. O que ela quer de presente? Uma viagem? Dançar contigo a valsa como dançou tantas vezes comigo nos quatro anos que vivemos juntos? Dê dois beijos nela, um por mim e outro por ti aí no futuro e não descanse no cuidado, na atenção e no carinho dedicado a ela pois foi o que fiz até hoje. Não tenho dúvidas que está sendo bem cuidada pois, se tudo continuar como está hoje, não lhe faltará amor de quem quer que seja.
Deixei para ti uma dúzia de bons amigos em quem você pode confiar. Não deixe eles de lado e dedique-se a eles como eles se dedicaram a mim durante esses 33 para 34 anos. Dê-lhes a sua atenção e compartilhe com eles seus problemas, beba umas com eles de vez em quando. Confia em mim, a conta do bar é mais barata que a da terapia.
Tenha paciência, mais paciência com as coisas do que tive eu até hoje. Escute nossa intuição. Não sei de onde ela vem e, se descobrir, não a largue de mão. E, principalmente, não se violente. Saiba onde estão os limites que tanto ralei para descobrir. Não gostaria de saber que você aí do futuro ainda desrespeita as fronteiras que com tanto esforço lutei para estabelecer.
E, por fim, aproveito para te fazer um pedido. Perdoa. Perdoa todos aqueles de quem trago mágoas e não fui forte o suficiente para perdoar. Mas principalmente, perdoa a ti mesmo, ou a mim, já que a maioria dos erros cometidos em nossa vida fui eu quem os cometi. Então, perdoa a mim e estará perdoando a ti mesmo. E com o perdão desses erros você estará livre para tentar acertar um pouco mais.
Uma pena você não poder daí do futuro me mandar uma mensagem para o passado e aplacar a ansiedade que tenho de confirmação ou não do bom ou mau trabalho que fiz até hoje.
Espero que esteja bem, saudável e feliz.
Um abraço.
Fabio
De: Fabio de 2012
Para: Fabio de 2022
Fala, cara. Tudo bem?
Estou aqui no último minuto dos nossos 33 anos e me lembrei de você.
Espero que tudo esteja bem e que as escolhas que fiz tenham sido proveitosas para você aí no futuro. É pelo que eu sinceramente torço uma vez que fazê-las hoje me custaram mais dos poucos cabelos que tu sabes tão bem quanto eu como são raros, se é que aí daqui a 10 anos ainda restam.
Aqui, com 33 para 34 anos, acho que já vivi metade de nossa vida. Deixo aqui então um apelo para que tente tão arduamente viver bem a metade final quanto eu venho tentando viver a inicial. Você vai ver que não será fácil, mas acho que você consegue, uma vez que já será mais vivido que eu, mais experiente e mais preparado para todas as preocupações que eu deixei aí para você.
Tenho certeza que agora vem a metade mais complicada da nossa vida. A primeira foi moleza, teve a infância que consumiu boa parte dela e, da juventude, deixo para você belas lembranças que deverão ser o combustível e o equilíbrio que você vai precisar nos momentos mais difíceis que certamente virão. E quando vierem, lembre-se das pitombas, das pitangas e da cana-de-açúcar lá em Vila Valqueire. De catar a bola com nojo de dentro do rio no Grajaú, da manga atirada pelo primo que abriu o lábio e sangramos feio pela primeira vez. Das tardes sobre as pedras em Guarapari e das madrugadas sobre as dunas de Cabo Frio. Daquela noite no Bairro Peixoto. Daquela tarde que estabeleceria os quinze anos seguintes ou daquele momento que parou no tempo em que soube a importância da diferença entre um e dois traços azuis num pedaço de plástico.
Tomara que ainda estejam aí contigo nosso pai e nossa mãe pois foi por causa deles que tudo isso aconteceu. Sem o amor deles nem eu nem você poderíamos estar agora nos correspondendo. E se acaso não estejam, estarão certamente em lugar melhor do que eu e você estamos. Mas nunca os deixe fora da sua vida como eu muitas vezes fiz por imaturidade, orgulho e essa necessidade urgente de liberdade que, sabes bem, acalentamos no fundo do peito e tatuei no alto das costas.
E que vontade de saber como anda a nossa filha aí no futuro. Quatorze anos. Em breve debutará. O que ela quer de presente? Uma viagem? Dançar contigo a valsa como dançou tantas vezes comigo nos quatro anos que vivemos juntos? Dê dois beijos nela, um por mim e outro por ti aí no futuro e não descanse no cuidado, na atenção e no carinho dedicado a ela pois foi o que fiz até hoje. Não tenho dúvidas que está sendo bem cuidada pois, se tudo continuar como está hoje, não lhe faltará amor de quem quer que seja.
Deixei para ti uma dúzia de bons amigos em quem você pode confiar. Não deixe eles de lado e dedique-se a eles como eles se dedicaram a mim durante esses 33 para 34 anos. Dê-lhes a sua atenção e compartilhe com eles seus problemas, beba umas com eles de vez em quando. Confia em mim, a conta do bar é mais barata que a da terapia.
Tenha paciência, mais paciência com as coisas do que tive eu até hoje. Escute nossa intuição. Não sei de onde ela vem e, se descobrir, não a largue de mão. E, principalmente, não se violente. Saiba onde estão os limites que tanto ralei para descobrir. Não gostaria de saber que você aí do futuro ainda desrespeita as fronteiras que com tanto esforço lutei para estabelecer.
E, por fim, aproveito para te fazer um pedido. Perdoa. Perdoa todos aqueles de quem trago mágoas e não fui forte o suficiente para perdoar. Mas principalmente, perdoa a ti mesmo, ou a mim, já que a maioria dos erros cometidos em nossa vida fui eu quem os cometi. Então, perdoa a mim e estará perdoando a ti mesmo. E com o perdão desses erros você estará livre para tentar acertar um pouco mais.
Uma pena você não poder daí do futuro me mandar uma mensagem para o passado e aplacar a ansiedade que tenho de confirmação ou não do bom ou mau trabalho que fiz até hoje.
Espero que esteja bem, saudável e feliz.
Um abraço.
Fabio
19 de julho de 2012
Minha Lua
O inverno chegou e era para sentirmos frio.
No entanto, o vento, as nuvens e as trovoadas que me
cercam não conseguem arrefecer o calor que sinto em minha própria estação.
Apesar de lá fora chover, aqui é Solstício de Verão e seu eterno dia.
Apenas minha Lua me faz falta e me concedo o direito de
chorar por ela como choram os lobos no frio das estepes, apertando meu coração
sob meus próprios caninos.
Minha Lua, minha Lua, que tenho visto com frequencia tão
bissexta mas cuja presença invisível paira sempre sobre meu céu, mesmo quase
transparente ali ela está, e que se enche nas longas noites desse inverno.
Minha Lua que me abraça a cada encontro com sua luz cálida e morna, diastólica.
Meu peito relaxa no abraço e volta a comprimir-se na despedida. Minha
Lua, minha Lua, que desde então controla a vazante de meus olhos e o preia-mar
das minhas alegrias. Que mingua num sorriso puro e se renova a cada ciclo,
comigo, comigo.
Quantas estrelinhas em seu céu! Conto contigo cada
uma e nenhuma foge. Há mágica e distância, fé e ignorância, bênção. Queria eu
voltar a não saber. Não saber que é inverno lá fora e eu deveria estar com
frio. Não saber desses quilômetros que nos afastam, desses anos-luz que meu
beijo leva para chegar até você enquanto em segundos molho novamente meu rosto
de saudade.
O inverno chegou e não me pegou desprevenido. Aqueço-me
sob o cobertor da consciência tranquila, tendo o suficiente de lenha e fé no
futuro. Chova o quanto chover, guio minha nau na tempestade que for, tendo minha
Lua como Norte, vento nas costas e olhos de águia. Hasteio minha bandeira no
frio desse inverno, nesse mar escuro e revolto, para que aos quatro ventos se
diga que o homem forte não cai e, se acaso do chão se aproxima, é apenas para
tomar novo impulso em direção a sua Lua.
O inverno chegou e isso é bom. Sinal de que as flores
desabrocharão e quente será já o primeiro dia do Verão. Me recomendo,então, à
magnânima força que guia minha Lua para que minha estação se mantenha quando
ele chegar.
13 de julho de 2012
Contos Corporativos - O Analista Sonhador
Já
passava da hora do café quando o assunto que motivou a reunião chegou ao fim,
mas antes que todos se levantassem Arlindo trouxe um novo assunto, não era
exatamente um assunto novo, mas poderia ter esperado uma outra reunião, afinal,
já passava da hora do café.
-
Godofredo, dirigiu-se Arlindo ao chefe geral na cabeceira da grande mesa,
precisamos achar alguém então para a vaga, lembra?
-
Godofredo que fora pego a meio movimento de levantar-se, sentou-se novamente e,
suspirando descafeinadamente, respondeu - Qual a sua sugestão?
- Pensei
no Gumercindo - apontando com dedo rijo o analista.
- O
Gumercindo? Mas o Gumercindo é um errante contumaz - sentenciou Godofredo
mirando o próprio como se esperasse dele uma defesa, mas sabendo da quantidade
de níveis hierárquicos que os separavam, Gumercindo só se permitiu uma resposta
quando Arlindo, seu chefe, cutucou-o com o olhar, apressando a resposta.
- O
Godofredo tem razão, Arlindo. Sou mesmo um errante contumaz. Mas também fui até
hoje um acertante frequente. Não posso me comprometer a acertar sempre se isso
for exigido como competência essencial para a vaga, mas posso dizer que vou
morrer tentando. Algumas vezes os erros que cometi no passado evitarão que eu
os repita na nova posição, o que faz com que o fato de ser um errante passe a
contar a meu favor, mas devido às enormes exigências por inovação pela qual
sofre a empresa atualmente e como nem eu nem ninguém pode prever o sucesso ou o
fracasso de uma ação, os erros, sem dúvida, acontecerão sendo eu ou qualquer
outro a ser empossado na vaga. Se precisarem de alguém que tente e erre
querendo muito acertar podem contar comigo pois minha trajetória na empresa
mostra que não tenho medo de tentar nem de mudar o que precisa ser mudado na
tentativa.
Um
silêncio solene pairou sobre a mesa de reunião quando Gumercindo calou-se e foi
quebrado apenas quando Godofredo, em dúvida, retorquiu.
- Belo
discurso, mas sério, quem a gente coloca na vaga?
5 de julho de 2012
Contos Corporativos - I - Chaves de Fenda
Apresentando o primeiro da série Contos
Corporativos.
I - Chaves de Fenda
- Da
China!? - exclamou sua pergunta Adalberto, o gerente tributário.
- Exatamente.
É de lá que tudo vem hoje. Tá vendo essa caneta? É de lá, tá vendo? - mostrou
Simão sacudindo-a no ar - É a mesma fábrica dessa caneca aí na sua mesa. E, se
der mole, até a cueca que você está vestindo é de lá.
- Minha
cueca é Calvin Klein.
- Então! É tailandesa. É tudo a mesma coisa.
A
conversa cessou quando Godofredo entrou na sala de reunião. Havia um clima
pesado no ar. As vendas que deveriam estar acima da média estavam abaixo por
algum sórdido motivo que ninguém poderia saber. Exceto os clientes, talvez. Com
o ar grave que a situação merecia, Godofredo, o gerente geral, deu início à
reunião após os litúrgicos dez minutos de atraso.
- Amigos,
estamos aqui para discutir soluções para aumentar as vendas. Alguém tem alguma
sugestão?
Como não
haviam sido informados do assunto da reunião, ninguém se manifestou. Quando a
sobrancelha esquerda de Godofredo elevou-se tremulante, sinal de esgotamento de
sua paciência, Adalberto tomou a palavra.
- Olha,
o Simão aqui - olhando para o colega ao lado - havia sugerido que importássemos
uns brindes da China para presentear os clientes.
Simão
que havia sido convocado por um descuido da secretária ao digitar o nome da
gerente de distribuição Simara, que encontrava-se em licença maternidade,
endireitou-se na cadeira e prendeu a respiração, enquanto Adalberto continuava.
- Ele
disse que até a sua cueca, Godofredo, deve ter sido fabricada na China. Afinal,
a gente sabe que tudo vem de lá. Dessa caneta - disse apontando a caneta de
Simão à mesa - até a roupa íntima de todo mundo aqui.
- Como
você sabe a procedência de nossas roupas íntimas? - indagou Godofredo agora com
as duas sobrancelhas arqueadas.
- Não é
bem assim - tentou consertar Simão, engolindo seco - Eu estava comentando com o
Adalberto que hoje tudo vem de lá e tal. E já que tudo vem de lá e é tudo meio
vagabundinho...menos a sua roupa íntima, claro, essa é de ótima qualidade...a gente
podia premiar os clientes que compram mais, os mais fiéis e tal.
- Temos
clientes fiéis? - perguntou sem olhar para o Gerente de Informações,
Relacionamento, Inteligência e Noções Orientadas (G.I.R.I.N.O) ao
que ele respondeu prontamente.
- Certamente,
Sr. Godofredo. E muitos. Só não sabemos quantos nem quem são, nem onde se
encontram. Mas segundo uma pesquisa recente onde perguntamos aos clientes sobre
sua fidelidade, quase cem por cento se disse fiel aos nossos produtos, o que
nos dá uma margem de erro de zero ponto sessenta e três por cento de chance de
agradá-los com brindes vagabundinhos.
A
proposta começava a ganhar envergadura e quando uma proposta agrada o gerente
geral ela deixa de ser órfã e acontece uma pouco solene disputa por sua
paternidade.
- Inclusive
- disse o gerente de marketing - nossos concorrentes nunca fizeram isso. Eu
mesmo já havia sondado as agências de publicidade que os atendem
sobre...sobre...sobre essa coisa de China e tudo o mais e eles disseram que
nunca ninguém comprou nada de lá. Isso nos dá uma vantagem competitiva -
completou com o jargão padrão para que todos esquecessem as baboseiras que
havia dito e concordassem bovinamente, intenção de todos os diplomados em propaganda.
O
gerente de vendas, então o dono do problema, não teve dúvidas - Vamos trazer
essas bugingangas então. Simão, quanto custa?
- Bom,
pelo que ouvi falar depende do item, da quantidade e das especificações. Mas se
estiverem todos de acordo eu posso sondar o fornecedor e...
- Calma
aí!! - interrompeu o coordenador de Aquisição de Itens Corporativos Secundários
- pode deixar que a minha área concentra as competências necessárias para esse
tipo de negociação estratégica. Estamos acostumados a lidar com os chineses e
sabemos que sua cultura não aceita diversos cacoetes negociais pelos quais
leigos despreparados costumam se deixar levar.
Godofredo
parecia satisfeito e levantou-se, mas não sem antes vaticinar como um oráculo
em tom ao mesmo tempo desafiador e motivante.
- Se
esses itens não estiverem aqui em duas semanas estão todos vocês na rua. E o
primeiro da lista é o Simão que deu a idéia.
Era um
líder nato.
Então,
em uma semana, empurrados por um Simão em desespero, cada um atuou em sua
especialidade. A G.I.R.I.N.O conduziu uma pesquisa online com dezessete
clientes que aprovaram as cores os formatos e o preço. A G.I.R.I.N.O, porém,
não garantia o sucesso da ação, uma vez que a campanha de comunicação,
responsabilidade do gerente de marketing, ainda não havia sido finalizada pela
agência de publicidade contratada, afinal a agência não estava acostumada a
trabalhar com prazos tão curtos e a quantidade de peças encomendadas era
enorme, desde outdoors, busdoors, taxidoors e os famosos wooblers que, por mais
que explicassem, ninguém do próprio departamento sabia direito para o que
servia, sabiam apenas que eram estratégicos.
Enfim a
campanha chegou, mas o marketing não garantia o sucesso da ação, uma vez que o
fato de serem produtos chineses era uma novidade e ninguém poderia prever a
reação dos clientes tão acostumados que estavam com o excelente produto que a
empresa lhes oferecia. Um fato a dar mais mistério à livre queda que
experimentavam as vendas.
Aprovados
os conceitos de comunicação e produto, o coordenador de Aquisição de Itens Corporativos Secundários entrou em contato com o consulado chinês, que o pôs em
contato com a câmara de comércio, que os pôs em contato com a associação de
produtores chineses do item escolhido, mas era a associação errada e perderam
alguns dias até descobrirem o que significava aquele misterioso ideagrama
vermelho no alto da folha de apresentação.
Por fim,
acharam um fornecedor e marcaram uma reunião. Simão não foi avisado, mas por
acaso esbarrou com o grupo pelos corredores da empresa e saudou efusivamente o
chinês, morador de Campinas, seu parceiro de ping-pong nos tempos de colégio,
atualmente representante da empresa chinesa escolhida.
A
reunião aconteceu e o setor de Aquisições emitiu parecer dizendo não poder
garantir o sucesso da ação devido ao fato de que o fornecedor não estava
cadastrado no sistema, processo que duraria mais ou menos um mês, tempo esse
que inviabilizaria a entrega no prazo mesmo que viessem de avião
fretado comercial desde Pequim ou Xangai, já não poderiam dizer com certeza.
Nenhum deles entendia bem o sotaque campineiro.
Simão
tomou para si a responsabilidade, coisa que sabiamente Godofredo já havia lhe
imputado, mestre na arte da delegação que era, e colocou seus próprios dados no
sistema, o que aceleraria o processo, mesmo sabendo que, à partir daí, estaria
devendo à sua própria empresa quase dois milhões de itens vagabundos chineses
equivalentes a meios milhão de dólares. O produtos eram realmente baratos.
Feito isso, disparou uma mensagem de “ok” para que a agência de publicidade
produzisse as peças, inclusive um filme de sessenta segundos para TV que
deveria estar no ar naquela noite.
Acompanhando online centímetro a centímetro o avião cruzar o planeta, Simão tinha ainda uma missão
a cumprir. Enquanto voavam os itens, Adalberto deveria preencher a papelada da
Receita Federal para que a inspeção aduaneira soubesse de antemão o que estava
por vir e não criasse caso com a enorme e inusitada carga para um cliente mais
inusitado ainda.
- Adalberto,
eu sei que já são cinco e quinze, mas antes de você ir embora, será que você
poderia me fazer a gentileza de, por favor, preencher a papelada da Receita dos
itens que estão vindo da China? - é impressionante como o desespero nos deixa
educados.
- Tá
vendo aquela caneta ali no chão? - perguntou Adalberto.
- Sim, é a chinesa. O
que que tem ela?
- Ela
caiu ali eram cinco horas.
- E daí?
- E daí
que ela está no chão desde às cinco horas porque à partir das cinco horas eu não trabalho mais.
- E o
que você está fazendo na empresa então??
- Estou
atualizando meu Facebook.
Vendo a
inutilidade de sua permanência ali, Simão catou a papelada da Receita e foi até
o Departamento de Notas Fiscais para ver se alguém ali poderia ajudá-lo, mas
também foi em vão. Então começou a preencher com o que achava certo. Inseriu um
número de CNPJ com vinte e três dígitos, um registro de importador inventado e despachou
tudo com um carimbo vermelho escrito PDR, sigla para Produto Defeituoso
Reutilizado.
Por
algum milagre que só o santo protetor dos processos corporativos poderia ter
perpetrado, os itens chegaram no último dia do prazo dado por Godofredo que foi
pessoalmente inspecionar as caixas de papelão carimbadas com diversos
ideagramas incompreensíveis. Ficou tão satisfeito que chegou até a comentar com sua
secretária.
A ação
correu na semana seguinte e foi um grande sucesso, como já haviam previsto os
especialistas da G.I.R.I.N.O, o marketing e o departamento de Aquisições. E a
causas de tanto sucesso eram óbvias: o levantamento acurado das preferências dos
cliente, a intocável campanha de comunicação que provavelmente renderia uma
indicação a Cannes para a agência e, claro, a perfeita negociação de condições
que fizera o departamento de Aquisições com o fornecedor.
Alguns
dias porém após a ação ter acontecido, as vendas que foram levemente elevadas e
conferiam ao gráfico uma esperançosa tendência de crescimento, voltou a cair e
a proximidade do vermelho no resultado da empresa levou Godofredo a chamar
outra reunião quase às nove da noite, mas dessa vez todos sabiam o assunto, apesar de novamente não
estar especificado na convocação via email.
Com
todos presentes, Godofredo disse.
- Confiei
em vocês e as vendas voltaram a cair. Quero que importem mais bugingangas da
China, mas dessa vez para essa semana. Vocês são bons e não vão cometer os
mesmos erros duas vezes. Já passaram por esse processo e sabem que pontos devem
ser revisitados. Uma semana. E se não chegar, Simão, você será demitido.
Sem
deixar que Godofredo terminasse a frase, Simão disparou da sala de reunião
direto para a baia onde trabalhava Adalberto na esperança de ainda encontrá-lo ali.
- Adalberto,
Adalberto! O Godofredo quer mais uma encomenda da China! Preciso
correr primeiro com a papelada da Receita. Me ajuda!?
-
Bugingangas da China de novo!? Só se fala nisso agora! Quero é saber quando
essa empresa vai voltar a vender chaves de fenda.
20 de junho de 2012
Nem por mil palavras
Sou um fã das palavras.
Na infância tinha um dicionário de sinônimos que folheava sempre antes de ir para a escola e escolhia, dentre aquelas várias expressões pouco conhecidas, as que seriam usadas naquele dia. Os sinônimos de bagunça eram investimento certo. Sempre tinha uma oportunidade de usá-los. "Olha a algazarra!" gritava eu no meio da maior fuzarca durante as aulas de Português ganhando pontos com o professor. Uma pena as inúmeras letras da Química ou os caracteres gregos da Física não formarem palavras, pois precisaria mais dos pontos nessas disciplinas.
Esse hábito me acompanha desde então, mas não sou daqueles que pretendem aprender uma palavra nova por dia. No entanto, às vezes invento uma história, um poema ou um verso só para dar asas a uma palavra grudenta que não me sai da cabeça. Se procurarem bem, acharão a palavra "esquife" ou a expressão "para lá e para cá" com certa frequência em alguns períodos por aqui pelo blog. Outras vezes, construo textos só para que uma certa palavra brilhe. Vou polindo as bordas, afiando as pontas, abalroando os engastes até encaixá-la perfeita, translúcida na idéia central.
Por causa desse gosto pelas palavras acabo também gostando de pessoas que inventam palavras. Não raro são indóceis, inconformados, inteligentes e visionários. Não é qualquer um que inventa uma palavra. É preciso coragem e ousadia para expor-se ao ridículo de uma ignorante correção. Digo ignorante não no sentido de falta de conhecimento, o que seria um contra-senso, mas pela falta de educação que é tentar matar a língua que é viva e enjaular a criatividade que voa. Enfim, ignorantes aqueles que não entendem e sufocam um neologismo. Mesmo que já exista um termo etimologicamente correto para uso. Diga ao Menino Maluquinho que "mexedorzinho" é colher e eu digo que és um mequetrefe.
Em sua ansiedade, a pessoa que inventa palavras quer apenas traduzir o que sente, dar forma às ininteligíveis matizes de sua alma. Fazer-se entender, pura e simplesmente. Admiro isso e gostaria de ter esse dom, pois aliviaria, e muito, a minha própria ansiedade.
Mas mesmo sendo o ardoroso fã que sou das palavras, não posso deixar de reconhecer nelas uma falha ou, amenizando, afinal, como fã tenho esse direito, uma limitação. E uma óbvia limitação.
Tente descrever o pôr-do-sol na praia num dia de verão. Já tentei, AQUI, é impossível. Ou a figura de uma noiva sendo abandonada no altar. Também tentei, improvável que alguém adivinhe. Um dia eu incluo nesse blog.
Mas muito pior que descrever situações, é descrever os sentimentos. Tente descrever o que sente quando aquela pessoa mais do que querida passa por você. Difícil. Agora tente traduzir a diferença de quando essa pessoa passa e quando ela passa e realmente olha para você. É sutil e ao mesmo tempo mais complexo. Tem palavra suficiente para isso? E quando suas mãos se tocam sem querer ou aquela troca de olhares antes do primeiro beijo. Como explicar a tremedeira, o suadouro, a garganta seca que são os efeitos físicos dessas situações? Como entender a tremedeira sendo borboletas no estômago, o suadouro sendo humores do amor e a garganta seca, a sede da paixão. Ah, ingênuos poetas, achando que se fazem entender.
A triste conclusão é a de que, por mais palavras que se inventem, nunca conseguiremos traduzir fielmente o que sentimos. A comunicação será sempre limitada e a necessidade por novas palavras sempre infinita. Para um fã de palavras, é um cenário e tanto, mas não troco aquele olhar, aquele toque e aquele beijo nem por mil palavras.
Na infância tinha um dicionário de sinônimos que folheava sempre antes de ir para a escola e escolhia, dentre aquelas várias expressões pouco conhecidas, as que seriam usadas naquele dia. Os sinônimos de bagunça eram investimento certo. Sempre tinha uma oportunidade de usá-los. "Olha a algazarra!" gritava eu no meio da maior fuzarca durante as aulas de Português ganhando pontos com o professor. Uma pena as inúmeras letras da Química ou os caracteres gregos da Física não formarem palavras, pois precisaria mais dos pontos nessas disciplinas.
Esse hábito me acompanha desde então, mas não sou daqueles que pretendem aprender uma palavra nova por dia. No entanto, às vezes invento uma história, um poema ou um verso só para dar asas a uma palavra grudenta que não me sai da cabeça. Se procurarem bem, acharão a palavra "esquife" ou a expressão "para lá e para cá" com certa frequência em alguns períodos por aqui pelo blog. Outras vezes, construo textos só para que uma certa palavra brilhe. Vou polindo as bordas, afiando as pontas, abalroando os engastes até encaixá-la perfeita, translúcida na idéia central.
Por causa desse gosto pelas palavras acabo também gostando de pessoas que inventam palavras. Não raro são indóceis, inconformados, inteligentes e visionários. Não é qualquer um que inventa uma palavra. É preciso coragem e ousadia para expor-se ao ridículo de uma ignorante correção. Digo ignorante não no sentido de falta de conhecimento, o que seria um contra-senso, mas pela falta de educação que é tentar matar a língua que é viva e enjaular a criatividade que voa. Enfim, ignorantes aqueles que não entendem e sufocam um neologismo. Mesmo que já exista um termo etimologicamente correto para uso. Diga ao Menino Maluquinho que "mexedorzinho" é colher e eu digo que és um mequetrefe.
Em sua ansiedade, a pessoa que inventa palavras quer apenas traduzir o que sente, dar forma às ininteligíveis matizes de sua alma. Fazer-se entender, pura e simplesmente. Admiro isso e gostaria de ter esse dom, pois aliviaria, e muito, a minha própria ansiedade.
Mas mesmo sendo o ardoroso fã que sou das palavras, não posso deixar de reconhecer nelas uma falha ou, amenizando, afinal, como fã tenho esse direito, uma limitação. E uma óbvia limitação.
Tente descrever o pôr-do-sol na praia num dia de verão. Já tentei, AQUI, é impossível. Ou a figura de uma noiva sendo abandonada no altar. Também tentei, improvável que alguém adivinhe. Um dia eu incluo nesse blog.
Mas muito pior que descrever situações, é descrever os sentimentos. Tente descrever o que sente quando aquela pessoa mais do que querida passa por você. Difícil. Agora tente traduzir a diferença de quando essa pessoa passa e quando ela passa e realmente olha para você. É sutil e ao mesmo tempo mais complexo. Tem palavra suficiente para isso? E quando suas mãos se tocam sem querer ou aquela troca de olhares antes do primeiro beijo. Como explicar a tremedeira, o suadouro, a garganta seca que são os efeitos físicos dessas situações? Como entender a tremedeira sendo borboletas no estômago, o suadouro sendo humores do amor e a garganta seca, a sede da paixão. Ah, ingênuos poetas, achando que se fazem entender.
A triste conclusão é a de que, por mais palavras que se inventem, nunca conseguiremos traduzir fielmente o que sentimos. A comunicação será sempre limitada e a necessidade por novas palavras sempre infinita. Para um fã de palavras, é um cenário e tanto, mas não troco aquele olhar, aquele toque e aquele beijo nem por mil palavras.
15 de junho de 2012
Jogo do Amor
O neon é clichê e está lá
assim como os dados transparentes
não se aposta dinheiro neste bacará
palavras são ases nas mangas cadentes
não adianta soprar ou torcer
as cartas já estão marcadas
você pisca e adula o crupiê
mas a banca empilha o butim das rodadas
a vida é um cassino brilhante
onde voam pessoas como insetos em flor
até nos queimarmos, incandescentes
todos nós perdedores no jogo do amor
cada um blefa como pode
dissimulados no jogo do amor
quem ganha, bate, pega o morto
tamanha a violência do jogo do amor
assim como os dados transparentes
não se aposta dinheiro neste bacará
palavras são ases nas mangas cadentes
não adianta soprar ou torcer
as cartas já estão marcadas
você pisca e adula o crupiê
mas a banca empilha o butim das rodadas
a vida é um cassino brilhante
onde voam pessoas como insetos em flor
até nos queimarmos, incandescentes
todos nós perdedores no jogo do amor
cada um blefa como pode
dissimulados no jogo do amor
quem ganha, bate, pega o morto
tamanha a violência do jogo do amor
30 de maio de 2012
Mesmo Lugar
Mesmo lugar
é luto, é triste
é teu dedo em minha face em riste
sacudido a me reprovar
Salgado gotejar
escorre lento
a semente que seria sustento
nunca chega a germinar
Mesmo lugar
é frio, é pouco
é um grito louco
sufocado e rouco
entre tu e eu a nos afastar
O espaço cresce
enquanto permanece
essa tentativa estranha
entre amor e manha
a nos entrelaçar
Mesmo lugar
uma casa, um cômodo
um leve enjôo e o incômodo
na expectativa de tudo acabar
E assim esperamos
toleramos e amamos
de consciência tranquila
enquanto o olho cintila
vendo o tempo, a suspirar
23 de maio de 2012
Revoada
Às vezes confundo
a terra seca e o chão fecundo
e me ponho a semear
Até me surpreender
ao tempo da colheita
sob o sol, a vista estreita
com o par de asas negras
maduras, prontas para voar
Ainda tento com ancinho
por receita e pergaminho
a erva negra extirpar
mas o campo põe-se em algazarra
como os tambores da fanfarra
um infinito bater-asa
do milho negro a revoar
E no campo ali vazio
ouço apenas o assobio
da negra revoada a se afastar
a terra seca e o chão fecundo
e me ponho a semear
Até me surpreender
ao tempo da colheita
sob o sol, a vista estreita
com o par de asas negras
maduras, prontas para voar
Ainda tento com ancinho
por receita e pergaminho
a erva negra extirpar
mas o campo põe-se em algazarra
como os tambores da fanfarra
um infinito bater-asa
do milho negro a revoar
E no campo ali vazio
ouço apenas o assobio
da negra revoada a se afastar
9 de maio de 2012
Cão Sem Dono
Você tá vendo ali na esquina
bicho lambendo a ferida
querida, esse sou eu
ou o que de mim sobrou
Vou vagando pelos cantos
depois que o nosso desencanto
finalmente se rompeu
e acabou com nosso amor
Em vez de beijos todo dia
vivo em frente à padaria
das sobras que ninguém comeu
mastigando os velhos ossos
desse amor que já foi nosso
e agora já venceu
E quando bate o desespero
me concentro no galeto ou
nesse soneto que é só teu
Vem comprar logo o almoço
e me larga mais um osso
como você prometeu
E deixa o estabelecimento
e nele todo o sentimento
que tivera antes do fim
Vou ficar ali na esquina
te olhando na surdina
até que passes por mim
Então corro ao teu abraço
pra roubar mais um pedaço
da carne boa que comprou
E sob gritos e impropérios
vou me esconder no cemitério
e tu nunca mais me encontrou
Mas sempre fico ali na esquina
a lamber minha ferida
querida, é onde aos poucos eu morro
De vez em quando a velha bruxa
vem me bater com o guarda-chuva
me chamando de cachorro
E me recolho ao meu escuro
na sarjeta ao pé do muro
onde espero amanhecer
Quando tu vens comprar teu pão
e eu com sofreguidão
estendo a língua a te lamber
bicho lambendo a ferida
querida, esse sou eu
ou o que de mim sobrou
Vou vagando pelos cantos
depois que o nosso desencanto
finalmente se rompeu
e acabou com nosso amor
Em vez de beijos todo dia
vivo em frente à padaria
das sobras que ninguém comeu
mastigando os velhos ossos
desse amor que já foi nosso
e agora já venceu
E quando bate o desespero
me concentro no galeto ou
nesse soneto que é só teu
Vem comprar logo o almoço
e me larga mais um osso
como você prometeu
E deixa o estabelecimento
e nele todo o sentimento
que tivera antes do fim
Vou ficar ali na esquina
te olhando na surdina
até que passes por mim
Então corro ao teu abraço
pra roubar mais um pedaço
da carne boa que comprou
E sob gritos e impropérios
vou me esconder no cemitério
e tu nunca mais me encontrou
Mas sempre fico ali na esquina
a lamber minha ferida
querida, é onde aos poucos eu morro
De vez em quando a velha bruxa
vem me bater com o guarda-chuva
me chamando de cachorro
E me recolho ao meu escuro
na sarjeta ao pé do muro
onde espero amanhecer
Quando tu vens comprar teu pão
e eu com sofreguidão
estendo a língua a te lamber
3 de maio de 2012
A contribuição dos Beatniks
Fiquei curioso quando soube que o diretor brazuca Walter Salles (Central do Brasil, Água Negra e Diários de Motocicleta) estaria à frente da mais nova produção do clássico On the Road (em português, Na Estrada), do célebre autor beatnik Jack Kerouak. Tão logo confirmei a informação corri atrás de outras referências que me pusessem em melhor contato com o clima da época e com os “ideais” beatniks e os achei em outros dois grandes nomes influenciadores do movimento: William S. Burroughs e Allen Ginsberg.
O mundo vivia a ressaca de seriedade do pós-guerra. A juventude, sufocada pelo chamado à pátria e para o cumprimento de responsabilidades para com seu país, vivia agora não mais sob a ameaça flagrante de um novo conflito (que só chegaria, a ameaça e não o conflito em si, anos mais tarde com a bipolarização da Guerra Fria). Viveu-se então um período de grande efervescência cultural.
A geração beat, no meu pretenso entendimento (ai da sociologia e da antropologia) foi o grande estopim da revolução contra-cultural que tomou conta dos EUA até a década de oitenta. É nela que se encontram as sementes do experimentalismo, do livre fluxo de consciência, do contato transcendente e a noção de pertencimento ao cosmo, porém num grau ainda menor do que os hippies dos seventies, por exemplo. Sem falar da grande influência da espontaneidade do Jazz que fazia a trilha sonora da vida na época que seria substituída depois pelo Rock and Roll. Não à toa, esses três nomes citados acima (Kerouak, Ginsberg e Burroughs) são fontes frequentes de inspiração para grandes obras dos anos 60 e 70, tendo estado nas poesias de Jim Morrison, nas músicas de Frank Zappa e até na capa do lisérgico Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band (Burroughs) dos Beatles.
Assisti recentemente a dois filmes que me levaram a entender e vivenciar um pouco desse imaginário beatnik: “O Uivo” (Howl, 2010) onde James Franco (172 Horas, Homem Aranha, Milk) encarna com louvor o poeta Allen Ginsberg e “Almoço Nu” (Naked Lunch, 1991) baseado na obra homônima de Burroughs e dirigida por ninguém menos que David Cronenberg (A Mosca, Um Método Perigoso).
Em O Uivo, conta-se a vida de Ginsberg em flashbacks enquanto a relevância de seu poema homônimo é julgado num tribunal popular. O caráter autobiográfico do poema é um prato cheio para esse recurso pois mesmo camuflado sob um confuso (e às vezes incompreensível) fluxo de consciência do poema, os personagens principais na vida do autor vão tomando forma. Proibido de circular sob acusação de estimular a promiscuidade e atentar contra a moral, o poema de Ginsberg ganhou notoriedade e correu o mundo após ser sonoramente absolvido de seus supostos pecados. Era de se esperar que a quadrada sociedade americana da época (da época?) se exasperasse ao ler coisas do tipo
“Eu vi os expoentes da minha geração, destruídos pela
loucura, morrendo de fome, histéricos, nus,
...
que morderam policiais no pescoço e berraram de
prazer nos carros de presos por não terem cometido
outro crime a não ser sua transação pederástica e tóxica,
que uivaram de joelhos no metrô e foram arrancados do
telhado sacudindo genitais e manuscritos,
...
que adoçaram as trepadas de um milhão de garotas
trêmulas ao anoitecer, acordaram de olhos vermelhos
no dia seguinte mesmo assim prontos
para adoçar trepadas na aurora, bundas luminosas
nos celeiros e nus no lago,”
Só para dar um exemplo.
Já em Almoço Nu, Cronemberg nem precisa de muito para interpretar o texto altamente lisérgico e biográfico que Burroughs já havia escrito. O método de Burroughs era ainda mais controvertido pois deixava que o fluxo de consciência viesse à tona sob efeito de drogas alucinógenas, o que dava, digamos, um colorido especial. Esse método, no entanto, não é novo. Aldous Huxley do cultuado Admirável Mundo Novo, por exemplo, descreve em As Portas da Percepção, de 1954, suas impressões num experimento empírico sob efeito de mescalina, LSD e outras drogas. Porém, com Burroughs, em vez de descrever as sensações efeito da droga, ele inventa histórias e cria sob essa névoa, o que mistura fatos marcantes de sua biografia, como o assassinato de sua mulher Joan por ele mesmo durante uma brincadeira de Guilherme Tell com uma pistola calibre 32, com viagens insólitas como as máquinas de escrever que se transformam em insetos paranóicos, numa viagem kafkiana como ele mesmo qualifica.
Os dois filmes dão idéia da ânsia por liberdade, da necessidade de expressão e da vontade de pertencimento que os anos 50 criaram nos EUA ainda feridos da Segunda Guerra. Pelo que pude perceber do trailer, Na Estrada tem menos referências a drogas e homossexualismo do que Almoço Nu e O Uivo, respectivamente, o que o torna talvez mais palatável ao expectador comum, que pode ir ao cinema esperando algo parecido com Central do Brasil ou Diários de Motocicleta, dirigidos pelo mesmo Salles, cada vez mais especializado em road movies.
Minha conclusão é que os beatniks foram os pais dos hippies, avós dos yuppies, bisavós da nossa geração e um passado já distante da geração Y ou @ ou qualquer outro símbolo que a caracterize, descrevendo uma evolução que vai da necessidade de libertação da alma presa pelas limitações do corpo à necessidade de construção de apetrechos físicos que estendam os limites dessa prisão corporal. O jovem dos anos cinquenta ouvia Jazz e escrevia sua liberdade individual viajando e deixando correr sem amarras o fluxo de sua consciência; o jovem dos anos sessenta e setenta ouvia rock e panfletava a paz e o amor querendo transformar não só a sua vida, mas a sociedade mais livre; o dos anos oitenta perde esse romantismo e é mais pragmático, tomando consciência de que liberdade se conquista mesmo é com dinheiro no bolso, liberdade para ele é poder; já o dos anos noventa começa a rever esse conceito e experimenta a liberdade virtualmente, porém preso em sua cadeira mas com a janela da internet lhe abrindo cada vez mais os horizontes; e isso se consolida nos anos 2000 quando liberdade é expressar-se livremente, criar, compartilhar, rir e chorar publicamente na web. Já que não deu pra ter liberdade nessa sociedade careta, que tal um novo ambiente onde podemos colocá-la em prática?
Viva os beatniks cujos ideais, em última análise, inspiraram a liberdade que temos hoje com a internet!
25 de abril de 2012
Blues da Colisão
Dois carros, contra-mão
Nenhum guarda na esquina
Farol alto, solidão
Cegos de nossa própria sina
Até que veio a colisão
O vidro todo espatifado
Sangue para todo lado
E curiosos de plantão
Condenado à eternidade
À morrer só de saudade
Sufocando o coração
Deixando a rua engarrafada
Não podemos fazer nada
Contra essa confusão
Seguindo nos atropelando
Odiando e nos amando
Até o próximo esbarrão
Mas alguém tem que dar um jeito
Sei que não vai ser perfeito
Puxo o freio de mão
Te deixo ir com nosso amor
E vejo no retrovisor
Você sumir na contra-mão
Nenhum guarda na esquina
Farol alto, solidão
Cegos de nossa própria sina
Até que veio a colisão
O vidro todo espatifado
Sangue para todo lado
E curiosos de plantão
Condenado à eternidade
À morrer só de saudade
Sufocando o coração
Deixando a rua engarrafada
Não podemos fazer nada
Contra essa confusão
Seguindo nos atropelando
Odiando e nos amando
Até o próximo esbarrão
Mas alguém tem que dar um jeito
Sei que não vai ser perfeito
Puxo o freio de mão
Te deixo ir com nosso amor
E vejo no retrovisor
Você sumir na contra-mão
19 de abril de 2012
O Mágico
A vida que ensina é a mesma que cobra
Fatura esquecida, de juros se dobra
E se na bolsa sem soldo, vive a mosca a zumbir
Senão escorpião com ferrão a brandir
Pagamos o preço a peso de lágrima
Com a vida que sobra depois de cair
Foi assim com o mágico, há muito aplaudido
Visitando as cidades de segredos munido
Arranca risada, bochecha rosada
Um susto e mil gargalhadas
Ficou famosa a carreira e muito espantou
Que belo espetáculo, que grande alarido
Montava palco e tenda na praça
Cartola crivada, cheio de graça
Bigodes em cera, fraque imponente
Alçado mais alto do que toda a gente
Vinham-se todos assistir à grandeza
Vendia-se refresco e muita aguardente
Coelhos surgiam e pombas voavam
Cartas sumiam e lenços dançavam
Não se queimava em vela ou em pira
E boquiaberta a audiência assistira
O brotar do buquê entre dedos trementes
Que olhos notavam a linda mentira?
Que povo iludido, querendo mais
Pensava o mágico, artista em cartaz
Se com engodo sou-lhes deidade
Imagine se lhes trouxer a verdade
E antes do gran finale
Revelou o truque sagaz
para espanto de todos naquela cidade
Pateta, sorriu do palco esperando
A chuva de palmas, o riso ou o pranto
Mas o que se ouviu foi puro silêncio
A platéia abalada em grave consenso
De que o mágico prestara mau serviço
Era melhor velando, diria o bom senso
Cigarras cantaram, mugiu uma vaca
Numa obra bem longe batiam estaca
Enquanto a platéia em silêncio indagava
Então era isso, só mais um embuste
Charlatão, gritou um, cafajeste
Então era isso, só mais um embuste
Charlatão, gritou um, cafajeste
Perdemos tempo com essa bobagem
E uma faca voou girando na haste
E era afiada, a maldita lâmina
Pregou-se à barriga, sangue a verter
Morreu o pobre mágico, estripado
Por ter simplesmente revelado
O que ninguém queria saber
Por trás da pantomima do defunto estatelado
E como deixei lá em cima uma pista
Poderia ter feito uma lista
Das coisas que a vida me fez entender
E outras que à morte irei esquecer
Que se morre o artista por mostrar a verdade
Desviam a vista despreparados para ver
E as vacas seguem mugindo
E as estacas seguem batendo
Enquanto morrem lindos mentirosos
E outros novos vão nascendo
Até que os peguem na verdade
Porque deles só mentira se espera
A platéia feroz, aturdida
A platéia feliz iludida
13 de abril de 2012
Bandeja de Prata
A mulher entrou no restaurante e, logo abordada pelo maitre atencioso, pediu uma mesa. Para um, respondeu educadamente à pergunta padrão dos maitres atenciosos. Perto da janela, por favor.
Mal sentou-se e um garçom apareceu trazendo um copo d'água alto e cheio até a metade, ou meio vazio, conforme a preferência do leitor. A mulher, porém, faminta, nem reparou na água nem na rosa branca quase desabrochada e repolhuda que boiava num recipiente, este sim, quase a transbordar no meio da mesa. Esgueirou-se atrás do cardápio cerrando os olhos como uma leoa à caça. Virou e revirou as poucas páginas em dúvida e intimou, Vou querer este.
Poucos minutos depois chega uma grande bandeja de prata coberta por uma cúpula reluzente. Posicionando tudo à frente da mulher o garçom destampa a refeição desejando "Bon appetit".
A mulher, salivando, nem percebe a salada e tudo o mais que é posto à mesa em volta da rosa flutuante. Forra o colo com o guardanapo branco para que o molho ainda morno não lhe macule a roupa e à primeira garfada chama logo o maitre novamente. Está frio. Mil desculpas, diz o maitre exagerando nos floreios e chamando estrepitosamente o garçom, dando-lhe um sermão com os olhos.
Voltando com a refeição, provavelmente uma nova peça dada quantidade de dígitos que custa cada prato daquele restaurante, nunca requentariam, o garçom reposiciona a bandeja e aguarda alguns instantes até que a cliente aprove com algum breve soslaio, um olhar carinhoso ou apenas um menear de cabeça afirmativo. Como nenhum sinal de desaprovação aflorou enquanto observava, o garçom achou desnecessário ali continuar e retirou-se para o atendimento de outra mesa.
Satisfeita, apesar de ter deixado alguns nacos ensanguentados no prato, a mulher põe os talheres de lado e pede a conta. Durante o angustiante silêncio que existe entre a digitação da senha do cartão refeição e a máquina cuspir a confirmação do pagamento a mulher diz: Meus parabéns ao chef. Foi o melhor frais cœur humain sur des plateaux d'argent que já experimentei.
E sai.
4 de abril de 2012
Hoje
Hoje acordei cedo
peguei tua mão e pusemos pés na estrada
o sol saía calmo e lento no horizonte
o dia todo a nossa frente
Tanta coisa a acontecer
eu, tu e o futuro
mesmo de longe consigo ver
Hoje não importa cada passo
e sim a vontade, o caminho a percorrer
agora o sol nos inspira
estará sobre nós ao meio-dia
quanto maior a nossa sombra
mais certa a alegria
não sei bem o que nos espera
mas o que importa?
o caminho que fazemos na Terra
é uma linha reta
mesmo que torta
27 de março de 2012
Regras Básicas
Quando eu te beijar
deixa teu corpo mole
para que eu console
toda sua dor
Quando eu te beijar
deixa a alma leve
e assim se escreve
uma história de amor
Quando eu te beijar
esquece teu passado
e me abrace apertado
sentindo meu calor
Quando eu te beijar
me esquenta teu corpo macio
como na noite de frio
debaixo do cobertor
Quando eu te beijar
abre a porta do coração
tudo o mais é ilusão
não importa o que for
e quando durante o beijo
sentir finalmente o lampejo
de que é para toda vida
não sinta medo e me aperta forte
porque amor desse tamanho
resiste até à morte
Quando eu te beijar
não paremos no meio
quero todo o devaneio
que desprende desse amor
Quando eu te beijar
não pense no futuro
só inspire esse ar puro
que só agora tem valor
Quando eu te beijar
deixa que o peito afrouxe
deixa que desabroche
lento como uma flor
Quando eu te beijar
deixa teu corpo mole
deixe que decole
alto a ver o sol se pôr
Quando eu te beijar
me dá uma abraço brando
deixa seu preto e branco
e venha para minha cor
te quero aos meus braço, lânguida
de olhos fechados, cândida
a sentir a ternura
de nossa música a se compor
E deixe que tudo se exploda
pois ao comemorar a boda
terá valido o nosso amor
deixa teu corpo mole
para que eu console
toda sua dor
Quando eu te beijar
deixa a alma leve
e assim se escreve
uma história de amor
Quando eu te beijar
esquece teu passado
e me abrace apertado
sentindo meu calor
Quando eu te beijar
me esquenta teu corpo macio
como na noite de frio
debaixo do cobertor
Quando eu te beijar
abre a porta do coração
tudo o mais é ilusão
não importa o que for
e quando durante o beijo
sentir finalmente o lampejo
de que é para toda vida
não sinta medo e me aperta forte
porque amor desse tamanho
resiste até à morte
Quando eu te beijar
não paremos no meio
quero todo o devaneio
que desprende desse amor
Quando eu te beijar
não pense no futuro
só inspire esse ar puro
que só agora tem valor
Quando eu te beijar
deixa que o peito afrouxe
deixa que desabroche
lento como uma flor
Quando eu te beijar
deixa teu corpo mole
deixe que decole
alto a ver o sol se pôr
Quando eu te beijar
me dá uma abraço brando
deixa seu preto e branco
e venha para minha cor
te quero aos meus braço, lânguida
de olhos fechados, cândida
a sentir a ternura
de nossa música a se compor
E deixe que tudo se exploda
pois ao comemorar a boda
terá valido o nosso amor
20 de março de 2012
O Sábio Esquecido
Há milênios as mentes mais privilegiadas da humanidade se debruçam sobre a vida a tentar tirar-lhe um sentido, alguma lógica concatenação de idéias que nos faça entender o porque acordamos, fazemos coisas e dormimos, não necessariamente nesta ordem, todos os dias. Algo que nos motive a fazer coisas e nos alente nos momentos em que não há nada mais em que acreditar.
De Aristóteles a Michel Teló, cavuquei inúmeros pergaminhos e manuscritos de todas as épocas também nesta cruzada por um motivo de existirmos sem perceber que a busca por si só já bastava como resposta. Ainda assim, no porão de uma carvoaria em Smyrna, encontrei um pedação de mogno carbonizado que trazia em seu comprimento sábias palavras iluminantes as quais compartilharei a seguir.
Para o bom entendimento desta descoberta que poderá mudar o curso do pensamento humano antes do final dos tempos anunciado pelos Maias, vale-nos o esforço de conhecer melhor seu autor. Comeceços, então, sem demora, a história merecida.
Muito antes de Confúncio lambrecar-se de nanquim ou Ramsés engasgar-se com areia do Nilo. Antes de Xerxes sonhar em mergulhar das ravinas das Termópilas ou antes de a paloma sobrevoar a Mesopotâmia levando seu ramo de oliveira, viveu um homem sem poderes senão o de bom observador e poeta. Não se tem notícia de mãe ou pai, o que nos leva a crer em seu surgimento espontâneo, criação direta do Criador, um novo Adão enviado dos séculos com o único propósito de esclarecimento e elevação humana. Seu nome era Moab Rivenif.
Suas palavras ecoaram pouco ao longo dos tempos mas seu nome permanece indelével na memória daqueles que já se foram, a quem não podemos mais nada perguntar, nem confirmando nem refutando sua passagem entre nós. Rivenif dedicou sua vida à reflexão profunda sobre a vida, o universo e tudo o mais e, em seus escritos perdidos na história, discorre de maneira a popularizar sua filosofia e aproximar-se do artesão e do campesino, construindo uma retórica de forma a fazer-se entender a um afegão médio.
Basicamente, a filosofia rivenifiana suporta-se sobre a pedra angular da luta contra o Dia do Trabalho. Estabelecia-se assim contra o gameta fundamental da exasperação humana e sua característica propensão à indolência. Pregava o velho Moab a sacralização do Dia do Trabalho trabalhando-se. Deveria ser este o dia em que as jornadas se multiplicariam e os soldos reduziriam-se à metade, motivo pelo qual não era muito querido das populações mais desvalidas, apesar de ter grande entrada nos palácios dos reis e governadores. Mas tudo isso seria em honra da característica que nos diferencia de todos os animais da Terra e nos faz sermos o que somos: o polegar opositor.
Moab defendia o dado dedo com unhas e dentes, acusando irreverentes aqueles que o utilizavam sem pudor esticando-o pelas estradas a pedir carona, caroneiros heréticos. Sua observação era tão clara que em meados do século XVCIII a.c. o termo "caroneiro" em aramaico significava também "aquele cuja alma viaja suja de esterco e merece o açoite fumegante dos deuses mais cruéis". Chamar alguém de caroneiro era intimá-lo à fogueira eterna das expiações datilosas, mas o termo foi perdendo esta conotação ao longo do uso reduzindo-se apenas ao sentido do viajar.
Pouco sabemos da infância de Moab Rivenif dado a sua longínqua e improfícua passagem por este mundo. No entanto, há poucos anos, no leito do hoje quase extinto Mar de Aral, encontrou-se o que seria um brinquedo infantil feito de ossos de porco e pelos de doninha em cujo cabo lias-se a seguinte mensagem: "Asèt nau mond lan se", o que significa "o mundo é dos ascetas" em crioulo haitiano arcaico e constitui-se prova de que o perfil ermitão e reservado de Rivenif já se manifestava desde a mais tenra infância. Acredita-se que Moab deixara sua terra natal bem cedo quando deu-se a grande Praga dos Cabritos, efermidade que causou a morte de oitenta por cento da população de arminhos na Ásia Menor. Foi por conta da grande depressão econômica que se sucedeu devido à escassez da pele do arminho, que forrava indumentárias reais e adornava brasões, mostrando o poder e a riqueza de quem a ostentasse.
Mas isso foi muito depois de Rivenif deixar seu lar e espalhar sua palavra iluminada pelo mundo. Foi na província de Amoz que um dia foi chamada Antióquia, que o filósofo estabeleceu as bases do tratado pelo qual alçou-se à condição de Grande Pensador. Segundo uma antiga lenda que tornou-se um conto de ninar entre as tribos nômades da Mongólia, estava Moab sentado a mendigar na grande praça do mercado de Amoz quando observou um grupo de pescadores entrar pela porta oeste. A princípio estranhou aquela presença inusitada uma vez que o rio mais próximo estava a mil léguas de distância do lago mais próximo e, este, se localizava a quinhentos estádios da praia mais próxima e os estádios só seriam usados como métrica de distância quase dois mil anos depois do tempo em que aconteceu o ocorrido neste relato.
Os pescadores não traziam redes ou cestas com o devido peixe, mas fediam como se com eles embaixo dos sovacos tivessem atravessado o escaldante deserto. Observador que era das almas dos homens, Moab acompanhou o grupo com os olhos até um beco escuro. Lá, viu-os despirem-se e banharem-se com a água que sabe-se lá de onde vinha. Após o asseio, um deles escondeu-se no ponto mais obscuro do beco sumindo na escuridão. Ainda nu, agachou-se a eliminar de si a impureza sólida da qual todos os corpos viventes são fábrica e nos iguala aos mais impudico dos animais, o avestruz. Mas isso explica-se em outra oportunidade. Ao terminar, o pescador então levantou-se e, enquanto vestia-se novamente, deixou cair uma moeda de prata bem no centro do monte de excrementos que produzira. A moeda afundou vagarosamente até sumir das vistas estupefatas dos pescadores que, agora limpos, titubeavam e meter os dedos naquela imundície, contentando-se a esbravejarem impropérios uns aos outros e aos deuses que à época vigiam.
Adivinhando a celeuma, Rivenif aproximou-se e perguntou aos viajantes o que lhes afligia. Diante do que lhe foi exposto, Moab então interpelou-os para que calma tivessem pois a humanidade lhes proibia de gabarem-se por estar diante de tão pura prova da verdade eterna. Os pescadores entenderam pouco da linguagem usada e acreditaram que ele se referia ao monte de estrume humano que ali se encontrava mas convenceram-se de que algo mais importante estava para acontecer pelo tanto que o sábio agora gesticulava e forçava o falsete.
Rivenif esclareceu o porque de o homens serem tão ignóbeis e deu os próprios pescadores como exemplo. Repudiou a atitude vaidosa de evitar exporem-se ao negrume fecal em detrimento de uma situação melhor para a coletividade a qual faziam parte aqueles indivíduos. Criticou o ancião que acompanhava o grupo de cima de uma maca, imóvel das pernas, e quase tirou-o se seu estado vegetativo de coma tão alto gritava seus ensinamentos naqueles moucos ouvidos.
Os pescadores, então, pouco entendendo dessas coisas filosóficas e políticas, começaram a se sentir ultrajados em suas honras e interpelaram Moab para que demonstrasse logo seu ponto sob ameaça de uma sonora surra. O sábio, então, tomou seu alforge e de lá retirou um punhado de moedas de ouro e lançou-as imediatamente sobre o monte de bosta onde deslizaram preguiçosas até sumirem junto com a moeda de prata que lá já estava. Acotovelando-se, os pescadores zuniram em direção a poça de lodo humano no intuito de resgatar aquela pequena fortuna agora curados do pecado da vaidade e lambuzados do pecado da usura. Moab então retirou-se com a sensação de dever cumprido, certo de que seu modelo de sapiência e desapego seria reverberado entre as gerações vindouras. O que não aconteceu.
Assim foi, então, que Moab Rivenif convenceu-se de que seria inútil qualquer tentativa de elevação moral da humanidade e retirou-se em auto-exílio nas montanhas do Sudão onde permaneceria até fenecer de frio, fome e febre aftosa. Mas, a esta altura, seu nome já se avantajava entre os povos e, na primeira oportunidade, os mais fervorosos lhes descobriram o paradeiro e até o Sudão o foram buscar em sacra peregrinação não encontrando nada exceto os despojos de seu corpo esquálido, sem vida, muito além da figura austral que um dia fora.
Seus devotos levaram consigo o corpo e lhes fizeram a inumação honrosa que merecia descansando-o sobre uma pedra num riacho para que sua sabedoria pudesse frutificar os campos e, enfim, desembocar no mar sem fim, de onde seria levada aos confins do planeta em glória à elevação dos tempos. E enquanto seu corpo apodrecia, ou melhor, era devolvido à poeira original, a temperatura diminuiu bruscamente congelando todo o riacho apenas para descongelar novamente e, numa grande enchente, esconder o corpo por milênios, o que foi considerado um milagre póstumo de assombrosas consequências.
Hoje, com nossa tecnologia avançadíssima e tendo acesso a uma quantidade de informações que, naquela época, um espião levaria toda a vida para acumular, pudemos resgatar do esquecimento este formidável e olvidável iniciado. Que tornemos, então, pública a figura deste mestre, que o mundo saiba quem foi Moab Rivenif e se enrusbesça com seu legado. E contribua com apenas noventa e nove centavos em homenagem à memória dos pescadores convertidos.
E para provar que todas as doações que recebemos dos quatro cantos do mundo, pois convencíveis estão por toda a parte, basta que tenhamos os argumentos certos, para provar que tiveram aplicação prática e relevante é que apresentamos neste trabalho nossa mais recente descoberta. Se não fosse o caráter lógico e humanista de toda obra revenifanista, poderíamos considerar esta uma relíquia, digna de fazer o mais sedentário acólito sair de sua cadeira e encarar a pé qualquer distância para contemplá-la pessoalmente, onde quer que estivesse.
Então, como prometido, apresentamos neste trabalho um breve relato dos acontecimentos importantes que baseara, até agora, a noção que temos dos divinos ensinamentos de Moab Rivenif. Digo até agora pois o teor iniciático do achado é tão denso que poderá abalar as crenças que tínhamos e fazer cumprirem-se algumas leis há muito esquecidas que só existem hoje sobre os papéis timbrados e nas rachas das línguas maledicentes.
Sem mais delongas, eis ipis litteris o que nos foi revelado no Mogno de Smyrna.
De Aristóteles a Michel Teló, cavuquei inúmeros pergaminhos e manuscritos de todas as épocas também nesta cruzada por um motivo de existirmos sem perceber que a busca por si só já bastava como resposta. Ainda assim, no porão de uma carvoaria em Smyrna, encontrei um pedação de mogno carbonizado que trazia em seu comprimento sábias palavras iluminantes as quais compartilharei a seguir.
Para o bom entendimento desta descoberta que poderá mudar o curso do pensamento humano antes do final dos tempos anunciado pelos Maias, vale-nos o esforço de conhecer melhor seu autor. Comeceços, então, sem demora, a história merecida.
Muito antes de Confúncio lambrecar-se de nanquim ou Ramsés engasgar-se com areia do Nilo. Antes de Xerxes sonhar em mergulhar das ravinas das Termópilas ou antes de a paloma sobrevoar a Mesopotâmia levando seu ramo de oliveira, viveu um homem sem poderes senão o de bom observador e poeta. Não se tem notícia de mãe ou pai, o que nos leva a crer em seu surgimento espontâneo, criação direta do Criador, um novo Adão enviado dos séculos com o único propósito de esclarecimento e elevação humana. Seu nome era Moab Rivenif.
Suas palavras ecoaram pouco ao longo dos tempos mas seu nome permanece indelével na memória daqueles que já se foram, a quem não podemos mais nada perguntar, nem confirmando nem refutando sua passagem entre nós. Rivenif dedicou sua vida à reflexão profunda sobre a vida, o universo e tudo o mais e, em seus escritos perdidos na história, discorre de maneira a popularizar sua filosofia e aproximar-se do artesão e do campesino, construindo uma retórica de forma a fazer-se entender a um afegão médio.
Basicamente, a filosofia rivenifiana suporta-se sobre a pedra angular da luta contra o Dia do Trabalho. Estabelecia-se assim contra o gameta fundamental da exasperação humana e sua característica propensão à indolência. Pregava o velho Moab a sacralização do Dia do Trabalho trabalhando-se. Deveria ser este o dia em que as jornadas se multiplicariam e os soldos reduziriam-se à metade, motivo pelo qual não era muito querido das populações mais desvalidas, apesar de ter grande entrada nos palácios dos reis e governadores. Mas tudo isso seria em honra da característica que nos diferencia de todos os animais da Terra e nos faz sermos o que somos: o polegar opositor.
Moab defendia o dado dedo com unhas e dentes, acusando irreverentes aqueles que o utilizavam sem pudor esticando-o pelas estradas a pedir carona, caroneiros heréticos. Sua observação era tão clara que em meados do século XVCIII a.c. o termo "caroneiro" em aramaico significava também "aquele cuja alma viaja suja de esterco e merece o açoite fumegante dos deuses mais cruéis". Chamar alguém de caroneiro era intimá-lo à fogueira eterna das expiações datilosas, mas o termo foi perdendo esta conotação ao longo do uso reduzindo-se apenas ao sentido do viajar.
Pouco sabemos da infância de Moab Rivenif dado a sua longínqua e improfícua passagem por este mundo. No entanto, há poucos anos, no leito do hoje quase extinto Mar de Aral, encontrou-se o que seria um brinquedo infantil feito de ossos de porco e pelos de doninha em cujo cabo lias-se a seguinte mensagem: "Asèt nau mond lan se", o que significa "o mundo é dos ascetas" em crioulo haitiano arcaico e constitui-se prova de que o perfil ermitão e reservado de Rivenif já se manifestava desde a mais tenra infância. Acredita-se que Moab deixara sua terra natal bem cedo quando deu-se a grande Praga dos Cabritos, efermidade que causou a morte de oitenta por cento da população de arminhos na Ásia Menor. Foi por conta da grande depressão econômica que se sucedeu devido à escassez da pele do arminho, que forrava indumentárias reais e adornava brasões, mostrando o poder e a riqueza de quem a ostentasse.
Mas isso foi muito depois de Rivenif deixar seu lar e espalhar sua palavra iluminada pelo mundo. Foi na província de Amoz que um dia foi chamada Antióquia, que o filósofo estabeleceu as bases do tratado pelo qual alçou-se à condição de Grande Pensador. Segundo uma antiga lenda que tornou-se um conto de ninar entre as tribos nômades da Mongólia, estava Moab sentado a mendigar na grande praça do mercado de Amoz quando observou um grupo de pescadores entrar pela porta oeste. A princípio estranhou aquela presença inusitada uma vez que o rio mais próximo estava a mil léguas de distância do lago mais próximo e, este, se localizava a quinhentos estádios da praia mais próxima e os estádios só seriam usados como métrica de distância quase dois mil anos depois do tempo em que aconteceu o ocorrido neste relato.
Os pescadores não traziam redes ou cestas com o devido peixe, mas fediam como se com eles embaixo dos sovacos tivessem atravessado o escaldante deserto. Observador que era das almas dos homens, Moab acompanhou o grupo com os olhos até um beco escuro. Lá, viu-os despirem-se e banharem-se com a água que sabe-se lá de onde vinha. Após o asseio, um deles escondeu-se no ponto mais obscuro do beco sumindo na escuridão. Ainda nu, agachou-se a eliminar de si a impureza sólida da qual todos os corpos viventes são fábrica e nos iguala aos mais impudico dos animais, o avestruz. Mas isso explica-se em outra oportunidade. Ao terminar, o pescador então levantou-se e, enquanto vestia-se novamente, deixou cair uma moeda de prata bem no centro do monte de excrementos que produzira. A moeda afundou vagarosamente até sumir das vistas estupefatas dos pescadores que, agora limpos, titubeavam e meter os dedos naquela imundície, contentando-se a esbravejarem impropérios uns aos outros e aos deuses que à época vigiam.
Adivinhando a celeuma, Rivenif aproximou-se e perguntou aos viajantes o que lhes afligia. Diante do que lhe foi exposto, Moab então interpelou-os para que calma tivessem pois a humanidade lhes proibia de gabarem-se por estar diante de tão pura prova da verdade eterna. Os pescadores entenderam pouco da linguagem usada e acreditaram que ele se referia ao monte de estrume humano que ali se encontrava mas convenceram-se de que algo mais importante estava para acontecer pelo tanto que o sábio agora gesticulava e forçava o falsete.
Rivenif esclareceu o porque de o homens serem tão ignóbeis e deu os próprios pescadores como exemplo. Repudiou a atitude vaidosa de evitar exporem-se ao negrume fecal em detrimento de uma situação melhor para a coletividade a qual faziam parte aqueles indivíduos. Criticou o ancião que acompanhava o grupo de cima de uma maca, imóvel das pernas, e quase tirou-o se seu estado vegetativo de coma tão alto gritava seus ensinamentos naqueles moucos ouvidos.
Os pescadores, então, pouco entendendo dessas coisas filosóficas e políticas, começaram a se sentir ultrajados em suas honras e interpelaram Moab para que demonstrasse logo seu ponto sob ameaça de uma sonora surra. O sábio, então, tomou seu alforge e de lá retirou um punhado de moedas de ouro e lançou-as imediatamente sobre o monte de bosta onde deslizaram preguiçosas até sumirem junto com a moeda de prata que lá já estava. Acotovelando-se, os pescadores zuniram em direção a poça de lodo humano no intuito de resgatar aquela pequena fortuna agora curados do pecado da vaidade e lambuzados do pecado da usura. Moab então retirou-se com a sensação de dever cumprido, certo de que seu modelo de sapiência e desapego seria reverberado entre as gerações vindouras. O que não aconteceu.
Assim foi, então, que Moab Rivenif convenceu-se de que seria inútil qualquer tentativa de elevação moral da humanidade e retirou-se em auto-exílio nas montanhas do Sudão onde permaneceria até fenecer de frio, fome e febre aftosa. Mas, a esta altura, seu nome já se avantajava entre os povos e, na primeira oportunidade, os mais fervorosos lhes descobriram o paradeiro e até o Sudão o foram buscar em sacra peregrinação não encontrando nada exceto os despojos de seu corpo esquálido, sem vida, muito além da figura austral que um dia fora.
Seus devotos levaram consigo o corpo e lhes fizeram a inumação honrosa que merecia descansando-o sobre uma pedra num riacho para que sua sabedoria pudesse frutificar os campos e, enfim, desembocar no mar sem fim, de onde seria levada aos confins do planeta em glória à elevação dos tempos. E enquanto seu corpo apodrecia, ou melhor, era devolvido à poeira original, a temperatura diminuiu bruscamente congelando todo o riacho apenas para descongelar novamente e, numa grande enchente, esconder o corpo por milênios, o que foi considerado um milagre póstumo de assombrosas consequências.
Hoje, com nossa tecnologia avançadíssima e tendo acesso a uma quantidade de informações que, naquela época, um espião levaria toda a vida para acumular, pudemos resgatar do esquecimento este formidável e olvidável iniciado. Que tornemos, então, pública a figura deste mestre, que o mundo saiba quem foi Moab Rivenif e se enrusbesça com seu legado. E contribua com apenas noventa e nove centavos em homenagem à memória dos pescadores convertidos.
E para provar que todas as doações que recebemos dos quatro cantos do mundo, pois convencíveis estão por toda a parte, basta que tenhamos os argumentos certos, para provar que tiveram aplicação prática e relevante é que apresentamos neste trabalho nossa mais recente descoberta. Se não fosse o caráter lógico e humanista de toda obra revenifanista, poderíamos considerar esta uma relíquia, digna de fazer o mais sedentário acólito sair de sua cadeira e encarar a pé qualquer distância para contemplá-la pessoalmente, onde quer que estivesse.
Então, como prometido, apresentamos neste trabalho um breve relato dos acontecimentos importantes que baseara, até agora, a noção que temos dos divinos ensinamentos de Moab Rivenif. Digo até agora pois o teor iniciático do achado é tão denso que poderá abalar as crenças que tínhamos e fazer cumprirem-se algumas leis há muito esquecidas que só existem hoje sobre os papéis timbrados e nas rachas das línguas maledicentes.
Sem mais delongas, eis ipis litteris o que nos foi revelado no Mogno de Smyrna.
Sob a máscara macambúzia
Desses homens que me rodeiam
Há os que me idolatram
Há os que me odeiam
E há ainda os que me ignoram
E o mesmo fazem com a Verdade
Então ouçam-me, pastores
Envoltos em mantos de Vaidade
A obra do Homem ainda está por vir
E à grandeza do Homem abjeto
falta-lhe muito e não encontrarás
Salvação em amuleto ou objeto
Glorifica teus Polegares se os tem
Se teve-Os decepados, dignifica-Os em altar
Mesmo que fiquem pretos e apodrecidos
São Eles que nos fazem criaturas sem par
Nessa Natureza que tanto criou e fez
Nada chega aos pés do que o Polegar fará
Ouçam-me, pobres pastores
E preservem seus Polegares pois o dia chegará
Despoja-te de tudo, até tuas roupas
Mas põe tuas mãos a trabalhar
Pois produto comum entre Homens e moscas
Só as fezes de ambos a defecar
Mete tua cabeça sobre os ombros
E não mais contempla o chão
O horizonte se abre e tudo pode
Para o Polegar que está grudado numa mão
Imaginem segurar mulher ou copo
Com a delicadeza que requer cada ação
Imaginem César poupar Gladiador
Sem um Polegar em cada mão
Vos digo, em verdade, que vosso único apego
Deve ser a este soldado desconhecido
Que nos ajuda, alimenta e coça
Quando dele assim é requerido
Enfim um viva ao nosso protetor
Glorifiquemos o seu poder que abona
Recomendemo-Lo aos nossos mais queridos
E nunca, nunca mesmo, peçam carona.
A.
13 de março de 2012
Transformação
Eu não sei se é lua cheia
ou terremoto no Japão
cometa que se aproxima
ou atividade de vulcão
só tenho essa certeza
que há algo na natureza
em plena transformação
vejo nos transeuntes
em meus sonhos conscientes
como o cheiro de terra molhada
antes da tempestade iminente
dói o calo no pé
e estalo os dedos de ansiedade
coça a cicatriz antiga
avisando o fim de alguma validade
não li no sol
ou nas estrelas que formam desenhos
nem nas mãos dos pedestres
nem nas sementes de jalapeño
não precisei abrir camundongos
nem encarcerei macacos
para ver as partes desse todo
ajuntando seus pedaços
sinto um cheiro estranho
e movimentos no soslaio
como o gato pressente o trovão
antes de cair o raio
não sei se são borbulhas
da minha imaginação
ou um gêiser febril
aguardando a explosão
só tenho essa certeza
que há algo na natureza
em plena transformação
não sei se será dilúvio
ou chuva de verão
uma brisa refrescante
ou violento furacão
não sei se será passeata
ou sanguinária revolução
execuções em praça pública
ou organizada eleição
só tenho essa certeza
que há algo na natureza
em plena transformação
não sei se é em mim ou no mundo
nas cabeças dos homens
ou no meu coração
por isso procuro tua mão atento
pois ninguém daqui será isento
dessa transformação
ou terremoto no Japão
cometa que se aproxima
ou atividade de vulcão
só tenho essa certeza
que há algo na natureza
em plena transformação
vejo nos transeuntes
em meus sonhos conscientes
como o cheiro de terra molhada
antes da tempestade iminente
dói o calo no pé
e estalo os dedos de ansiedade
coça a cicatriz antiga
avisando o fim de alguma validade
não li no sol
ou nas estrelas que formam desenhos
nem nas mãos dos pedestres
nem nas sementes de jalapeño
não precisei abrir camundongos
nem encarcerei macacos
para ver as partes desse todo
ajuntando seus pedaços
sinto um cheiro estranho
e movimentos no soslaio
como o gato pressente o trovão
antes de cair o raio
não sei se são borbulhas
da minha imaginação
ou um gêiser febril
aguardando a explosão
só tenho essa certeza
que há algo na natureza
em plena transformação
não sei se será dilúvio
ou chuva de verão
uma brisa refrescante
ou violento furacão
não sei se será passeata
ou sanguinária revolução
execuções em praça pública
ou organizada eleição
só tenho essa certeza
que há algo na natureza
em plena transformação
não sei se é em mim ou no mundo
nas cabeças dos homens
ou no meu coração
por isso procuro tua mão atento
pois ninguém daqui será isento
dessa transformação
6 de janeiro de 2012
Reminiscências do Ano Velho - 2011
Mais uma vez o ano acaba e, com
ele, o prazo de validade das resoluções que fizemos no Reveillon passado.
Então, se em 2011, você se comprometeu a emagrecer, parar de fumar, casar ou
comprar uma bicicleta, é hora de renovar essas promessas vazias e começar 2012
com o pé direito na bicicleta, o anelar direito envolto em aliança e a banda
direita do seu glúteo rija.
E como eu também resolvi que
continuaria a série anual de Reminiscências do Ano Velho, promessa que,
diferente de muitas outras que fiz durante ao ano para mim e para tanta gente
que também esqueceu de me cobrar, vingará a partir de agora nas linhas que
seguem, assim como as anteriores que podem ser encontradas AQUI e AQUI.
Bom, 2011 começou com a magnífica
posse de Dilma na Presidência da República. Segundo informações oficiais, é a
primeira mulher a chefiar o Estado brasileiro. Digo oficiais pois tenho algumas
certezas quanto ao nível de influência das esposas dos nossos ex-presidentes em
suas vidas públicas, uma vez provada a veia romântica de muitos deles em
diversos livros e discursos, duvido que algum desvio aqui ou ali não foram só
uma prova de amor à suas musas. E que mulher não gosta de ganhar uma rosa
roubada. Se for um roseiral inteiro ou uma conta robusta na Suíça, tanto faz.
Fato é que, em meio a um pranto
duvidoso de júbilo ou desespero, os céus tanto choraram a posse de Dilma que a
Região Serrana do Rio quase desabou por inteiro. Se bem que pode ter sido
também de emoção pela chegada de Ronaldinho Gaúcho à Gavea. Essa sim uma posse
de peso. Não tanto pelo talento do atleta que se provou importante, sim, para o
orgulhoso quarto lugar no campeonato nacional, mas mais por estar fora de
forma. A vinda de R10 para o Rio esquentou tanto a sociedade carioca que os
barracões das escolas de samba não agüentaram e lamberam em chamas, causando um
prejuízo assustador às agremiações e tendo conseqüências inimagináveis na festa
mais linda do mundo, fazendo com que esse ano, muito parecido com alguns
movimentos nos campeonatos de futebol, numa grande virada de mesa, nenhuma
escola foi rebaixada. Pior para as do segundo grupo, pois nenhuma delas também
foi alçada ao grupo principal.
Mas se o Brasil fosse só samba,
futebol e sacanagem, a posse de Dilma, a posse de R10 e a tosse dos chamuscados
no incêndio nos barracões poderiam decretar o fim de 2011 com louvor. Porém,
muita coisa ainda viria a acontecer nos longos meses a seguir. E muita coisa
importante com conseqüências internacionais como os movimentos libertários do
Oriente Médio que degolaram alguns dos eternos ditadores da região, sendo o
mais famoso Muamar Khadafi.
Desde que me conheço por gente
Khadafi manda por aquelas bandas. Sempre citado como um potencial inimigo
número um do mundo ocidental, o sheik – ou sei lá como se escreve o cargo dele –
aparecia sempre muito saudável e disposto nos encontros internacionais,
inclusive naquele onde foi fotografado abraçando meigamente nosso ex-presidente
Lula. Que inveja de suas relações. E, não por acaso, o povo que aqui tanto
lutou para colocar nosso Lula no poder, lá fez o contrário e foi às ruas, não
batendo panelas como fizeram os argentinos quando do calote no FMI, mas
abatendo os militares do exército libanês. Por fim, a literal queda do ditador manchou
de sangue as ruas de Trípoli e as telas de TVs, computadores e celulares ao
redor do mundo.
Foi impressionante a rapidez com
que as imagens e notícias das tragédias correram em 2011. Sentados no conforto
de nossas casas pudemos quase molhar os pés na grande onda que quase afundou o
Japão no Índico, cerrar os olhos sob o borrifo das chuvas que quase afundaram
dona e cão em Petrópolis ou sentir os cheiros cadavéricos de nosso ex-vice José
Alencar e Elizabeth Taylor ambos coincidentemente nascidos e falecidos no mesmo
ano.
Mas nem tudo foi tragédia em
2011. Foi também polêmica. Sandy, por exemplo, propalou sua pretensa devassidão
ao associar-se a uma marca de cerveja. Criou polêmica, com certeza, mas não
chegou a realizar os sonhos, esses sim devassos, dos consumidores da dita
cerveja de vê-la nua seja lá onde for. No final das contas, concluiu-se que a
devassidão de Sandy é proporcional à qualidade da cerveja por ela defendida. Um
brinde à obviedade ululante. E, em se tratando de devassidão, a cervejaria
deveria ter contratado logo o Jair Bolsonaro, tão esperto em devassidão quanto
em física quântica, para defender a sua marca, já que defender os interesses
das minorias não é exatamente a sua vocação. Se bem que, hoje em dia, minoria
mesmo é quem acredita que exista essa tal família e os bons costumes que diz ele
defender. Vai saber.
Por outro lado, alheios a todas
as polêmicas e pouco se importando com Sandys, Bolsonaros ou muito menos marcas
de cerveja, que lá o que se toma mesmo é chá, casaram-se William e Kate numa
cerimônia estonteante. Bilhões de pessoas acompanharam tudo pela TV e milhares
compraram no camelódromo do Rio a réplica do anel de casamento da noiva. Nessa
história, não sei quem tirou a sorte grande. Se foi Kate, pois herdará duas
coroas, a avó de William e a da corte inglesa, ou se foi o próprio William,
pois Kate bota a Sandy no chinelo. Nesse quesito, os devassos ingleses tem
sonhos muito melhores.
Pode parecer que os anos estão se
padronizando. Começa com fortes chuvas, um terremoto, um famoso morre, um ditador
cai, mais terremotos e, finalmente, o show do Roberto Carlos. E, se de reprises
são feitos todos esses eventos, o do Rei tinha que ser o da Terra Santa,
enquanto Berlusconi repetia as suas picardias bem debaixo dos olhos da Igreja,
na Itália. Seguindo o bom exemplo de líderes anteriores como Nero e Calígula,
Berlusconi só não botou fogo em Roma nem nomeu seu cavalo senador. Fora isso,
tudo fez, se é que as orgias dos anteriores se comparam às suas. Seguindo essa
linha, recomendaria o Rafinha Bastos à presidência da Itália. Pelo menos ele,
que foi eleito a personalidade mais influente do Twitter, nunca renunciaria ao
seu cargo por ser acusado de participar de orgias, mesmo com grávidas, só para
dar um exemplo pior do que a conduta do italiano.
E enquanto todos cantam e
fornicam, o mundo chega a seus sete bilhões de habitantes, provando que o
Brasil, reconhecidamente talentoso nessas artes do samba e da sacanagem já
citados, está entre as potencias do futuro. Mas enquanto nascem tantos, alguns
poucos que morrem tem sua ausência sentida. Foi o caso de Steve Jobs, gênio da
tecnologia que, como citei nas reminiscências do ano de 2010, consegue fazer
dinheiro inventando coisas que ninguém sabe para o que usar. E não foi
diferente em sua morte, na medida em que sua biografia, apesar de ninguém saber
muito bem para o que serve, foi um estouro de vendas ao redor do mundo. Outras
mortes porém passaram despercebidas ou alguém se lembra que o R.E.M. se separou
em Setembro? Pois é, separou-se no mesmo período em que acontecia no Rio o Rock
in Rio. É mais ou menos como morrer no meio de um funeral, estando o festival
assim bem moribundo.
Mas isso de nascer e morrer é uma
grande incerteza, nunca sabemos quando iremos nascer nem onde bateremos as
botas. Líquido e certo é que o Vasco da Gama chegará em segundo. Sempre. E
sempre estaremos, nós, a antecipar o que virá e explicar porque não veio, se
não veio mesmo, ou vindo diferente, explicaremos o porquê das diferenças, pois
de visionários e videntes o mundo está cheio, assim como o inferno de boas
intenções e o céu de espaços vazios, e os esforços de todos nessas instâncias é
o mesmo, contar os dias, os mortos e os pecados até o dia em que daremos ou não
razão aos Maias e seu calendário apocalíptico. Até lá, vamos segurando-nos cada
um em seu santo.
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